terça-feira, 24 de novembro de 2015

24 – Apenas Cinco

            A energia condensou-se em um raio de energia necrótica que atingiu Desmond em cheio no peito. Sua pele pareceu subitamente mais pálida, seus braços e pernas um pouco mais finos.
            “Corram!”, disse Desmond, tentando se manter erguido depois do golpe mágico. Ele conseguiu pular de cima da mesa e alcançar os outros que já fugiam através da porta. Olhou para trás e acertou o mago que já corria atrás deles. Conseguiu girar o corpo e disparar a besta. A seta atingiu o mago no abdômen, prendendo o manto contra o corpo dele. Ainda assim, o mago continuava a perseguição. Atrás dele, um outro homem estendeu sua própria besta na direção dele. O disparo passou zunindo ao lado da cabeça de Thaal, o penúltimo da fila.
            Virando para trás, Navere atirou sua onda elétrica na direção do mago, que desviou. A onda então atingiu o rosto do cultista com a besta, que caiu desacordado. Atrás dele seguia mais um cultista, que se preparava para conjurar alguma magia. Askáth parou, encostou as costas na parede, deixou seus amigos passarem e esperou Desmond passar. Quando percebeu que o mago vermelho que seguia na frente estava próximo, atirou-se de surpresa na direção dele e cravou duas adagas em seu peito. O mago caiu. O movimento fez com que as adagas, ainda seguras pelas mãos de Askáth, fossem arrancadas do golpe fatal. A queda inesperada do mago fez o cultista que havia começado a conjurar a magia se desequilibrar, caindo por cima do mago. As costas expostas receberam golpes repetidos das adagas de Askáth, ainda pingando sangue do mago vermelho.
            Por mais alguns instantes, os cinco continuaram correndo. Askáth era o único que havia notado que todos além deles estavam mortos. Quando todos pararam de correr e começaram a voltar, o ladino já estava agachado, vasculhando os bolsos dos robes e conferindo se todos haviam mesmo morrido. O que tinha sido atingido pelo raio elétrico de Navere ainda tentava respirar. Teve sua garganta cortada sem que Askáth hesitasse.
            “Acho que podemos voltar”, disse Siana.
            “Parece seguro. Vamos ver se encontramos alguma coisa sobre as atividades deles.”
            Seguiram juntos de volta, vasculhando todos os corpos que encontraram. Os três que eles mataram carregavam algumas armas, componentes mágicos e um pequeno pergaminho. Ao abrirem, leram:


O mago Loric enlouqueceu e está atacando todos os outros no templo. Yahun conseguiu enviar um pedido de ajuda, mas não respondeu mais a nenhuma tentativa de contato.
            Loric tinha uma altíssima patente e é muito perigoso. Matem-no.
Nabara

            “Bem... que ele era louco, realmente não podemos negar...”, disse Navere. “Vamos dar uma olhada com mais calma nas coisas por aqui.”
            Ultrapassaram a entrada do corredor. No corpo de Loric, encontraram uma esmeralda num saquinho de couro preso à cintura. No corredor, puderam ver que Loric matou mais seis cultistas antes de ser finalmente morto por Desmond. Seu corpo ostentava todo tipo de ferimento. No corredor, dois cultistas com bestas, três magos e um clérigo jaziam imóveis, sangrando ou queimados. Em seus corpos, o grupo recuperou uma chave, algumas moedas e joias. Thaal se recusava a procurar itens interessantes nos mortos. Ao ver Askáth, Desmond e Navere pegando as moedas e joias e dividindo entre eles, sentiu o estômago revirar-se. Siana também não se sentia bem em ficar com os valores, mas estava ajudando a procurar pistas sobre as atividades do culto. Randal estudava as armas que eles recolheram, separando o que parecia ser útil do que estava muito danificado.
            “Temos que olhar... aqueles ali.”, disse Randal. Askáth, Desmond e Navere invadiram sem cerimônia a sala com a pilha de corpos. Procurando com alguma pressa, encontraram apenas alguns itens comuns, como parcas moedas, pergaminhos, penas e tinta, cantis. Em um deles, um pouco mais velho e com robes mais bem trabalhados, havia uma chave em um cordão no pescoço. Apesar de obviamente mais importante e de aparência imponente, o homem estava tão morto quanto os outros.
Thaal e Siana foram abrir as outras portas para tentar descobrir mais informações. Randal entrou na sala com os outros e mais uma vez incumbia-se da tarefa de selecionar armamento interessante.
            Thaal entrou em uma sala que parecia ser um ambiente de estudo, não de todo diferente das catacumbas dos illithids. Haviam muitas estantes e uma escrivaninha coberta de papéis. Enrolou-os todos cuidadosamente e guardou-os em sua bolsa. Siana abriu a porta do recinto ao lado, que certamente abrigava um dormitório para uma pessoa. Era um quarto relativamente bem decorado, utilizado recentemente. Havia um baú fechado à chave, um guarda roupas, um espelho e um tapete limpo e trabalhado no chão. A vela que estava ao lado da cama tinha sido queimada até a metade, e a cera se acumulava sob a base.
            Thaal viu Siana abrir uma segunda porta que ficava dentro do dormitório, passar por ela e deixá-la fechar naturalmente.  Ele saiu do ambiente e foi investigar a sala gêmea à que guardava a pilha profana de corpos, geminada a ela. Ambas eram dormitórios simples, com colchões de feno colocados em fila no chão. Aproximadamente vinte colchões estavam naquela sala, presumivelmente quantidade semelhante à da sala irmã.
            Ao continuar procurando, encontrou uma outra sala onde havia uma pequena quantidade de tesouro sendo guardada, em pequenos baús. Decidiu não mexer neles, mas entendia que para os rituais do Culto havia uma grande demanda de valores.
            “Askáth... Desmond... tem uma coisa aqui pra vocês!”, chamou ele. Thaal sabia que não conseguiria roubar aquele tesouro, mesmo que isso significasse uma perda importante para o Culto. “Sumam com isso daqui antes que eu desista.”
            Os dois ladinos começaram a recolher o tesouro avidamente, dando preferência às moedas de maior valor. Distribuíram o dinheiro entre suas próprias bolsas, que foram insuficientes. Então, chamaram Navere e Randal, que não se opuseram a carregar mais em suas próprias. Thaal não quis ajudar.
            “Já que você não vai carregar o peso da prosperidade”, disse Askáth, “pelo menos vá pegar a bolsa de Siana para enchermos de dinheiro. Não acho que ela vá se opor.” Askáth entregou a chave  que tinha encontrado para Navere, que logo descobriu que ela abria o baú que Thaal havia indicado naquele dormitório.  
            Thaal voltou à sala onde tinha visto Siana pela última vez. Navere estava lá, retirando uma varinha, um livro e algumas joias e valores de dentro do baú que tinha destrancado. Thaal chamou por Siana, em tom normal de voz.
            Não teve resposta.
            Abriu a porta onde Siana havia entrado, que parecia ser uma latrina. O cheiro era muito ruim, e a sala de tamanho bem pequeno. “Siana?”, disse ele. Nada.
            Voltou para onde eles estavam.  “Vocês viram Siana? Ela estava aqui agora mesmo!”
            “Como assim, vocês viram Siana? Ela estava com você!”, disse Randal, perdendo um pouco a calma.
            Randal, desde que vira Siana pela primeira vez, sentira que a menina franzina tocara seu coração de forma paternal. A semelhança com sua filha era ligeira, mas o pai saudoso enxergava nela o suficiente para sentir a ternura paterna que havia estado adormecida desde a perda da família. Quando a levara nos braços do covil dos illithid até a restauração de sua saúde, criara laços profundos com a jovem barda.
            “Ela estava aqui agora mesmo, eu juro! Entrou ali naquela latrina...”
            “Deve estar com uma dor de barriga e tanto!”, disse Askáth. Sua brincadeira não provocou risos, e ele voltou à tarefa de encher seus bolsos de moedas até que ficassem muito gordos e pesados.
            “Siana!”, começou Randal. Não achava que era uma boa ideia gritar a plenos pulmões ali naquele lugar tão hostil, mas não conseguia fazer de outra forma. “Siana! SIANA!”, gritava. A voz dele tremulava na sílaba final do nome da barda, denunciando o auto controle que se esvaía rapidamente.
            “Calma, Randal. Nós vamos encontrá-la”, disse Desmond. “Já encontrei todo o tipo de pessoa em todo o tipo de situação.
            “MAS NÃO ENCONTROU SEUS AMIGOS! E AGORA, POR SUA CAUSA, PERDEMOS A SIANA!”, explodiu Randal.
            Desmond não conseguiu responder. Sentiu profundamente o ataque do mercenário. Era verdade, ele havia perdido as únicas pessoas que amara a vida toda. Eu sou um fracasso. Não vou encontrar nenhum deles, insistiu seu cérebro.
            Askáth desistira de guardar mais dinheiro e se juntara aos outros na tentativa de encontrar Siana em todas as portas.
            Mais de dez minutos se passaram e eles estavam ficando progressivamente mais nervosos. Navere estava particularmente calado. Randal se movia com rapidez, fruto do desespero.
            “SIANA! SIANA!”, gritava Randal, com a voz sendo ecoada por Thaal. Desmond e Askáth procuravam de forma silenciosa, enquanto que Navere parecia segui-los, perdido.
            “Siana...”, disse Navere, muito baixo. Depois de tudo o que passaram juntos, ele estava transtornado com a ideia de ter colocado Siana em risco mais uma vez.
            Enquanto eles procuravam, deixaram de perceber que seus passos causavam a queda de pequenos pedriscos vindos de rachaduras no teto.
            RRRRRRRRRRRRRRrrrrrrrrrrrrrr...
            Um rugido baixo, como um terremoto, pareceu envolver-lhes de súbito. As paredes do corredor que tinha sido palco da carnificina entre Loric e seus ex-companheiros do Culto estavam muito marcadas por explosões mágicas de todos os tipos.
            No centro da marca de uma bola de fogo muito grande, uma rachadura começou a alargar-se com muita rapidez. Outras a seguiram, mimicando os padrões fractais dos trabalhos do templo. O rugido ficou muito mais alto.
            Saindo dos ambientes em que se encontravam, enfileiraram-se no corredor com os rostos voltados para a origem do som ameaçador. Seus olhos marejados pelo medo refletiram a imagem que viam: o teto e as paredes do corredor, vindo da direção da Sala onde tinham conseguido matar os cultistas remanescentes, desmoronavam rapidamente. O teto caía primeiro, seguido de perto pelas paredes que logo antes haviam servido de sustentação por milênios.
            Sem hesitar mais nenhum momento, eles se viraram e começaram a correr, fugindo do desmoronamento que quase os alcançava. Por último da fila, Navere tentava arrancar as lágrimas dos olhos para conseguir enxergar o caminho. Seus calcanhares foram atingidos por pedaços pequenos de entulho que caía do teto.
            Ele correu o mais rápido que pôde.

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