Sentados à
mesa, os dois bardos podiam sentir a energia que fluía no ar. Nas paredes,
globos de luz mágica iluminavam a taverna, curiosamente construída na forma de
uma torre. Apesar de parecer antiga, era uma construção recente, desenhada
diretamente para este propósito. Entre os andares não haviam escadas; a
locomoção era promovida por discos mágicos translúcidos que atravessavam o piso
de cada andar, recortado de forma cilíndrica.
Os andares da
torre eram dimensionados para que fossem espaçosos sem serem amplos demais.
Ainda transmitiam um clima intimista e aconchegante. Alguns haviam acusado
Amlugnehtar de serem exagerados, egocêntricos e pouco modestos na arquitetura
do lugar.
Phidain e Siana, os bardos, discordavam. O que Amlugnehtar havia conquistado era imensurável: a permanência de cada uma das vidas em Faerûn até que seu destino as tomasse.
Phidain e Siana, os bardos, discordavam. O que Amlugnehtar havia conquistado era imensurável: a permanência de cada uma das vidas em Faerûn até que seu destino as tomasse.
Siana
ajeitou-se na cadeira estofada em veludo vermelho. A decoração daquele andar
era dedicada à Nyx, a feiticeira do fogo. Ela não a conhecia, mas suas
histórias a precediam. Siana sentia em seu peito um aperto, não de todo ruim.
Era seu primeiro dia, afinal. Phidain, seu mestre, a acompanhava nesta tentativa
de colher histórias. Ele a havia treinado nas artes dos bardos, ensinado
músicas, truques e magias simples. Siana sabia que tinha talento para a música,
mas a magia a hipnotizava. Esperou a infância toda para na adolescência manifestar
os poderes de feiticeira. Infelizmente, eles nunca chegaram.
Em vista do
fracasso como condutora natural de magia, tentou juntar-se aos magos numa
escola em Águas Profundas, mas estes a rejeitaram; era atrapalhada demais. “Esbaforida”
foi a palavra que escolheram para descrevê-la. Suas orelhas pontudas e
percepção aguçada permitiram-lhe ouvir a conversa em particular dos velhos em
mantos azulados. “Filha, seu lugar pode
ser entre os grandes, mas não entre os magos. Vá e encontre seu lugar”. Siana
fugiu da torre, em prantos. O revés afogara seu sonho arcano. Empurrou a pesada
porta da torre dos magos. Seus passos apressados castigavam o chão de terra da
rua, deixando marcas profundas entremeadas nas lágrimas que insistiam em
pingar, molhando a poeira da via. Sem enxergar, correu por alguns metros além
da torre quando atropelou o pequeno halfling que caminhava assobiando.
“Por Oghma!
Criatura, você deve olhar para a frente quando decide debandar como uma manada
de javalis atrozes em chamas! ”
“Desculpe-me”,
murmurou Siana entre soluços.
“Pobre
criança! O que te aflige? Deixe aqui que o velho Phidain pode acender seu
sorriso”. Enfiando a mão subitamente dentro da manga da camisa, o halfling de
cabelos acinzentados produziu uma bela flor amarela, cintilante, e entregou-a
para Siana.
Seus olhos brilharam, e um meio sorriso encontrou seus lábios.
Seus olhos brilharam, e um meio sorriso encontrou seus lábios.
“O..Obrigada!
É uma linda flor! ”
“Então,
criança, me diga. De onde veio sua dor tão flagrante, quase tão evidente quanto
a crista de uma cocatriz! Pelo menos seu pranto sincero pode ser fitado por
mais de dois segundos sem me fazer virar um pequeno bloco de pedra! ”
“Eu...eu...
queria tanto fazer magias...”
“Oh,
você então é mais uma que estes velhos rabugentos recusaram, não? Não se
preocupe! Não é pessoal, você não pode ter brilho nos olhos, vontade de viver e
um senso de humor para ser aceito nesta escola! Veja, eles me rejeitaram também
tantos anos atrás e... bem, sou muito mais bonito do que eles, você precisa
concordar! E muito mais feliz também. E não pareço como se uma mandrágora estivesse
gritando enfiada lá no meu...”
“Armário!
Claro, moço, tenho que concordar. ” – Interrompeu Siana, antes que o halfling
pudesse concluir. O sorriso agora contrastava com as lágrimas que ainda
molhavam suas bochechas.
“Há
há há, vejo que possui o senso de humor que procuro! Diga-me, moça! Diga seu
nome para o velho Phidain, e o velho Phidain lhe fará uma proposta! ”
“Siana...”
“Então,
Siana, você ainda quer fazer magias? ”
Os
olhos dela então brilharam, não de tristeza, mas de esperança.
Dois
anos haviam se passado desde o primeiro encontro de Phidain e Siana, e ela
tinha sido uma boa aluna. O senso de
humor de Phidain ainda a surpreendia, e suas analogias sagazes a ensinaram
muito sobre a fauna e os monstros de Faerûn. Ele prometia que ela sairia em
batalha um dia, para colocar em prática as artes mágicas que ele a havia
ensinado. Siana já havia aprendido alguns truques básicos e até algumas magias
um pouco mais eficientes, mas ansiava por aventura. “Não esqueça de sua natureza, criança. Você
não é maga, nem feiticeira, nem bruxa. Você é uma barda, e uma senhora duma
barda!”, dizia Phidain. Todos os dias.
Phidain
ainda a considerava despreparada, de alguma forma. A ânsia por utilizar sua magia
em batalha divergia de suas ideias humanitárias. Ele preferia utilizar suas
habilidades mágicas para promover o riso, o entretenimento e conseguir ouro.
Siana quer matar criaturas.
Este conflito de interesses o fez criar este desafio. Ela deveria então ouvir as histórias de batalha do grupo de aventureiros mais renomado de Faerûn: Amlugnehtar.
Este conflito de interesses o fez criar este desafio. Ela deveria então ouvir as histórias de batalha do grupo de aventureiros mais renomado de Faerûn: Amlugnehtar.
Sentados
à mesa, a energia os envolvia, quente. Nas paredes, tapeçarias faziam alusões à magia
piromântica e pirocinética, das quais Nyx era mestra. As lendas diziam que a
tiefling era tão poderosa quanto bela, e que havia desintegrado dois dragões
com um só golpe.
“Boa
tarde, bons amigos, ouvi falar que me aguardavam!”, a voz melodiosa os
surpreendeu. Os olhares deles estavam fixos em um quadro na parede, onde uma
bela tiefling conjurava uma bola de fogo brilhante. O quadro era mágico, e a
bola de fogo realmente incandescia, eternamente acesa na obra de arte. Ao procurarem com os olhos de onde a voz
havia vindo, encontraram a tiefling do retrato. Obviamente o quadro não lhe
fazia jus: era a criatura mais bela que já haviam visto.
“Senhora
Nyx! É muita honra poder conhecê-la em pessoa!” – Phidain curvou-se, tentando
em vão tratar a situação com naturalidade. Sua voz tremia, denunciando seu
nervosismo. Nyx sorriu entredentes, parecendo divertir-se com o desconforto do
bardo. Siana permanecia imóvel, petrificada pela sensação de poder que emanava
da feiticeira.
A
tiefling era uma mulher de estatura média, mas seus vistosos chifres
adicionavam alguns centímetros à sua altura. Seus cabelos negros e lisos
pendiam até o queixo, onde terminavam em um corte perfeitamente reto. Sua pele
era pálida, mas brilhava sobrenaturalmente em vermelho. Os lábios contrastavam
com a pele alva, vermelhos como o sangue. Suas vestes, um belo e revelador
vestido vermelho e preto bordado em ouro. Sua beleza era assustadora, e sua
presença era acalentadora e terrível ao mesmo tempo. As histórias de seus
feitos eram pontuadas pela loucura e crueldade. Apesar disso, o sorriso que ela
lhes oferecia parecia desafiar a aparência e as lendas, e os convidava para uma
agradável tarde de chás e conversa.
“A
honra é minha, amigos. Posso me sentar à mesa com vocês?” – disse a feiticeira.
“Mas
é claro! Quando eu contar para meus
amigos que estive à mesa com Nyx, a feiticeira do fogo, eles acharão que uma
banshee explodiu meus miolos com um grito e eu fiquei completamente maluco! Mas
diga-me, senhora, posso atormentar-lhe com as perguntas de minha aprendiz?
Nossa Siana aqui pretende um dia aventurar-se para conseguir seus próprios
feitos e fama, e considerei que uma pequena... pesquisa de campo poderia
ajudar-lhe a posicionar suas expectativas. “
“Oh
sim! Conversar com sangue novo sempre é divertido. Sabe, eu mesma matei uma
banshee uma vez. Ou não, porque ela já estava morta, certo? Como se mata algo
que já está morto? Eu sempre me perguntei... mas nunca por muito tempo, já que
explodir coisas é muito mais eficiente! ”
“Há
há há há! Vejo que o sucesso e a fama não lhe roubaram o senso de humor, senhora
Nyx! É bom saber que a inteligência e a sagacidade podem sobreviver ao sucesso.
Tantos exemplos do contrário na elite de Waterdeep...” – arriscou-se Phidain.
“Acho
que somos um pouco mais bem sucedidos
que a elite de Waterdeep, senhor Phidain”, respondeu Nyx, com seu sorriso
caloroso reduzindo-se lentamente.
“Claro,
claro, me desculpe a indelicadeza!”
Siana
encolheu-se na cadeira e fingiu brincar com um cálice de vinho entalhado em
cima da mesa.
“Comecemos
então. O que querem saber?”, acelerou a feiticeira antes que o halfling pudesse
fazer mais alguma piada.
“Podemos
começar do começo”, respondeu inesperadamente Siana, que, ao contrário de seu
mestre, havia conseguido domar o nervosismo e parecia decidida e interessada.
Nyx pareceu perceber e sorriu sinceramente mais uma vez.
“Bem,
o começo é quando conheci Phalos. “
“He
he he, este nome sempre me encanta!” – disse Phidain, recebendo como resposta
mais um sorriso amarelado de Nyx. Este o fez engolir a seco, e ajeitar-se na
cadeira, desconfortável.
“O
nome dele não era Phalos nesta época. Como sabem, ele é um draconato. Phalos é
uma criatura complicada. E eu morava em uma casa de diversão, se é que me
entendem. Um prostíbulo. Não há necessidade para espanto, não nego meu passado.
Eu me diverti muito nesta época, se querem saber.”
“Não
ficaremos com falsos moralismos, Nyx. Todos nós gostamos de diversão. “ Mais
uma vez, a seriedade de Siana surpreendeu a todos; Phidain tentava controlar o
pânico, e Nyx apreciou a coragem da moça em chamar-lhe pelo nome diretamente.
“Não
há lugar para puritanismo nesta conversa. Pois bem, Phalos, ainda Groot naquela
época, costumava frequentar o lugar. Nossas ligações com os dragões vermelhos nos
uniram mais do que fisicamente, e nos tornamos amigos. O poder físico de Groot
complementava minhas habilidades mágicas, e formávamos uma dupla forte. Quando
houve a necessidade de defender nossos iguais, percebemos que nossas
habilidades poderiam ser muito bem utilizadas em batalhas. Foi nesta época que
conhecemos Sonam”.
“O
monge? Mas como um monge juntou-se a uma dupla tão... peculiar?”, indagou
Phidain.
“O
monge havia se desgarrado de seu mestre e seu templo, em busca de conhecimento
e esclarecimento. Conflitos com a fé e com a paz interior de Sonam o trouxeram
até nós. E suas habilidades se provaram indispensáveis dali para a frente. Um
amigo de infância também veio à nós, um druida chamado Barrocuda se juntou a
nós, mas depois de matarmos nosso primeiro dragão, infelizmente ele se foi.”
“Não
sabia sobre ele! Ele morreu ao matar o dragão?”. Phidain parecia interessado.
“Não,
ele decidiu seguir seu próprio caminho. Mas o golpe final no dragão foi
desferido por ele, e por isso, Amlugnehtar o esquecerá jamais.”, respondeu Nyx.
Seus olhos se abaixaram e ela pareceu apreciar a nostalgia inesperada. “ No
início de nossas aventuras ainda tivemos com a ajuda de Mydräni, a Clériga da
guerra e Tremere, o paladino da justiça. Mas também, estes se foram há muito
tempo. Rumores dizem que saíram do mundo da aventura para se casarem.
Infelizmente, não os vimos mais desde que se desligaram de nosso grupo.”
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