O
grupo seguia apreensivo, ultrapassando algumas salas de arquitetura semelhante.
Os ambientes de estudo eram no geral bem ricos em material e aconchegantes.
Siana
e Navere precisavam parar para descansar em quase todas as salas. Eles estavam
tão leves que Randal carregou Siana no colo por bastante tempo, enquanto que
Navere era amparado por Askáth e Thaal.
Parados
em um lugar que parecia ser uma sala de jantar, com uma longa mesa e cadeiras
decoradas, eles se sentaram mais uma vez.
“Pa...para....
on...”. Siana tentou começar a falar, mas as forças lhe faltaram mais uma vez.
“Você
quer saber para onde estamos indo, Siana?”, perguntou Thaal. “Estamos tentando
sair daqui, o mais rápido possível.” Ele estava muito preocupado com o estado
físico dos dois últimos resgatados, e suas habilidades de cura estavam muito
aquém do que eles necessitavam. “O plano é apenas escapar.”
Randal,
Askáth e Thaal se entreolharam. Refletidos nos olhos um do outro, puderam ver o
medo que apenas crescia a cada minuto que passavam ali parados. A sensação de
serem observados era constante e a ausência de pessoas ou criaturas naquele
lugar era ainda mais inquietante.
Siana
deitara a cabeça sobre os braços e parecia respirar calmamente. Navere estava
atento, mas não respondia adequadamente, às vezes ficando em silêncio quando
deveria falar, ou demonstrando confusão mental ao proferir sentenças
desconexas.
Enquanto
conversavam em voz muito baixa sobre para onde iriam quando encontrassem a
saída, ouviram o primeiro som diferente desde a morte do último guarda. Sentiram
seus corpos paralisarem de medo. Um estalar quitinoso, não ritmado e muito
rápido parecia vir de trás da porta de onde saíram. Eles a haviam trancado com
uma das chaves recuperadas das vestes do illithid. Um som seco e repetido foi
produzido quando algo grande bateu fortemente na madeira. Por baixo da porta,
uma substância mucosa de cor azulada começava a escorrer, primeiro
discretamente e depois em abundância, avançando cada vez que as batidas na
porta ficavam mais intensas.
Siana
levantou a cabeça após as primeiras batidas, mas não conseguiu se levantar com
rapidez. Randal tomou-a novamente ao colo, enquanto que Thaal levou Navere aos
ombros. Não havia como hesitar nem mais um momento, e Askáth já havia disparado
em direção à próxima porta, abrindo-a de sopetão.
Assim
que todos estavam ultrapassando o arco da outra saída, a porta se abriu com um
estrondo, revelando uma criatura aberrante que estalava furiosamente as garras.
Com enormes tentáculos saindo da boca, parecia um cruzamento profano entre uma
lagosta gigante e um polvo. Os tentáculos tremulavam como os dos illithids, mas
o corpo era coberto por um exoesqueleto azul arroxeado. Gigantescas garras em
formato de pinças nas patas da frente e o que pareciam ser cascos equinos nas patas de trás davam à aberração
uma imagem de pesadelo. Os olhos extremamente ferozes transmitiam loucura e
possessão. Recobrindo a criatura, um limo mucoso azulado pingava
abundantemente, cobrindo o chão por onde a criatura passava.
É um uchuulon.
Todos eles
ouviram a voz. A confusão e o medo não os permitiram perceber que a voz vinha
de dentro de suas cabeças, não de um de seus companheiros.
Enviei para vocês. Espero que gostem da
surpresa.
Enquanto
corriam, tentavam não pensar na criatura brutal que os perseguia, tão perto que
de vez em quando sentiam as garras se fechando e estalando muito perto de suas
cabeças.
Podem parar de correr agora.
Navere e Siana
já estavam muito alertas, apesar do estado físico. Além de estarem tentando
fugir da criatura, a voz que ouviam era tão conhecida.
Mestre.
Mestre
estava entre nós.
Mestre
havia enviado essa criatura por nós.
O
uchuulon os perseguia de perto, deixando um brilhante rastro de muco azul por
todo o caminho. Eles pareciam correr sem rumo, mas, ouviram Navere com muita
certeza afirmar:
“Aqui.”
Aqui.
A
voz do meio elfo enfraquecido fora envolvida em certeza sobrenatural, que veio
diretamente das mentes de todos ali. Naquela sala, havia uma escada de pedra.
Subiram-na correndo. No pé da escada, o uchuulon os alcançou. Randal, com Siana
nos braços, havia ficado por último, ainda no início da subida.
Com
uma das garras gigantescas, agarrou Randal pela roupa e o girou. Com a outra,
agarrou Siana pelo pescoço e a retirou do colo de Randal, com surpreendente
delicadeza. A outra garra atirou Randal de encontro aos degraus de pedra da
escada.
Siana
não conseguiu reagir. Pendeu inerte, nua,
presa pelo pescoço na iminência da morte. Ela fechou os olhos.
Tão linda.
O uchuulon
levou o rosto de Siana para perto de seus olhos monstruosos. O muco tinha um
cheiro acre e infectado, mas Siana permanecia impassível. Com a garra livre,
acariciou a bochecha de Siana, com leveza incongruente ao seu tamanho e
aparência. O rosto da barda ficou sujo de muco. Seus olhos não esboçaram
reação.
Não seria uma pena se... ela tivesse que
ficar?
A garra do
uchuulon se abriu, deixando Siana cair pesadamente no chão. Randal
imediatamente se abaixou, tomou-a no colo. A secreção da aberração cobria boa
parte do corpo da meia elfa, deixando-a escorregadia. Mesmo assim, Randal a
segurou firmemente. Parado diante da criatura, fitou os olhos demoníacos.
Todos sabem que você tem medo, Randal. Não
tente nem começar a falar.
Sentindo
o fôlego reservado para dizer que não o temia escapar de sua garganta em
silêncio, o mercenário relaxou o pescoço e olhou para baixo.
É só subir a escada. Podem ir, crianças.
Vocês estão livres.
O
uchuulon permaneceu parado, imóvel, ao pé da escada. O único movimento
perceptível em seu corpo era o muco fluindo e acumulando-se no chão sob suas
patas.
Randal
com Siana, Thaal com Navere e Askáth terminaram de subir a escada de pedra,
sempre olhando para a criatura que os observava antes da subida.
A
escada terminava em um alçapão, que abriu sem dificuldades. Empurraram a tampa
de madeira e perceberam que sobre a entrada, alguém havia posicionado um
tapete. A casa pequena onde saíram era feita de madeira. As janelas estavam
fechadas, mas não havia nem resquício de sons de cidade do lado de fora.
O
ambiente tinha uma pequena cama desarrumada, uma lareira com teias de aranha,
um balcão de pedra com um fogão à lenha e uma mesa com apenas uma cadeira.
Nesta cadeira, observando-os diretamente, estava um halfling.
Navere
abriu os olhos e observou o rosto de Phidain. Siana ainda parecia catatônica,
mas seus olhos estavam direcionados ao rosto do mestre bardo. Thaal pousou
Navere no chão, com agilidade mas de forma delicada.
“Quem
é você?”, perguntou Askáth, sacando a adaga rapidamente e apontando-a para o
halfling. “Diga! O que quer de nós?”. Umbra estava muito nervoso; fora pego
absolutamente desprevenido pela presença inesperada do halfling.
“Phidain...”,
murmurou Navere.
“Quem?”,
disse Askáth, relaxando um pouco o braço, mas ainda mantendo a adaga empunhada
na direção do estranho.
“Este...
é nosso mestre. Phidain.”, disse Siana. Seu rosto parecia um pouco mais
responsivo e alerta. Ela levantou a cabeça, enquanto Randal a depositava na
cama com lençois velhos e colchão de palha.
Askáth
abaixou o braço e embainhou a adaga.
“Acho
que vocês tem muita coisa para nos contar”, disse Thaal, parecendo apreensivo.
“Mas antes, muito mais do que conversar, eu gostaria de ir para o mais longe
possível deste lugar profano e blasfemo.” . Seu olhar demonstrava a
consternação de quem esteve na presença de impronunciável abominação.
“Tenho
que concordar. E sim, meu nome é Phidain. Eu vou tirar vocês daqui. Depois,
vamos conversar.” , disse ele, levantando-se num pulo certeiro. As pernas
curtas de halfling não permitiam que ele as repousasse no chão quando sentado
numa cadeira moldada para humanos.
Os
cinco seguiram Phidain por mais ou menos três quilômetros por um bosque, depois
entraram em uma casa que ficava pouco antes da muralha da cidade. Naquela região,
outras casas já estavam construídas, demonstrando o constante crescimento da
cidade além das bordas. Naquela construção específica, não havia nada além da
porta de entrada, com a exceção de um outro alçapão. Phidain se agachou e o
puxou pela corda que servia de maçaneta, deixando-o aberto de lado.
“Venham.
O último fecha a porta de entrada e depois a do alçapão.”
Outra
escada de pedra se estendia além da entrada do alçapão, e o medo de prosseguirem
estava em todos eles. Ainda assim, perceberam que não havia escolha. Ainda
carregados, Navere e Siana reafirmaram silenciosamente balançando a cabeça que
seria seguro seguir.
A
escada terminava em um corredor escuro. Phidain retirou uma tocha de um suporte
na parede direita e a acendeu com um isqueiro de pedra que carregava. Pôs-se a
andar. O corredor seguiu reto por cerca de cem metros, onde terminou em outra
escada, esta de madeira. Subiram, ouvindo os degraus rangerem. Ao abrirem o
alçapão no final, cheiro de peixe invadiu as narinas de todos.
“Tarde!”,
disse um marinheiro.
“Taaarde!”,
falou outro trabalhador da doca.
“Tarde!”,
respondeu Phidain.
O
corredor havia emergido em um armazém nas docas de Águas Profundas, lugar muito
conhecido de todos. Grandes caixas continham peixes frescos. No chão, uma
quantidade grande de água com sangue e tripas de peixes tornava o cheiro do
ambiente quase insuportável.
Ainda,
saberem que por hora estavam perto de pessoas normais e fora da prisão física e
mental onde haviam ficado lhes deu alívio quase tangível. Sorveram o aroma da
podridão de frutos do mar com prazer.
Com
as respirações e passos mais calmos, seguiram Phidain pelas docas, até a casa do
halfling bardo.
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