“E o que lhes traz aqui, jovens
amigos? Vejo que permaneceram aqui depois que todos foram embora!”, indagou o
draconato, com visível curiosidade.
“Acho
que foi justamente a debandada geral que nos manteve aqui, senhor Phalos.
Fiquei curiosa com a razão do êxodo repentino.”, disse Siana, recobrando
lentamente o auto controle.
“Ah
sim, isso sempre acontece. Aparentemente, minha música cansa um pouco as
pessoas...”
“Sua
música foi absolutamente encantadora, ENCANTADORA! Há muitos anos que não via
uma dança como aquela!”, disse Phidain.
“Então,
senhor Phalos. Viemos visitar a Taverna com a intenção de conversar um pouco
sobre Alugnehtar e seus integrantes. Devo dizer que grande parte das lendas
mais memoráveis envolvem seu nome. Será que poderíamos ouvir algumas de suas
histórias? Não queremos incomodar, se não for possí...”
“MAS
É CLARO!”, interrompeu Phalos. Siana não teve tempo de recobrar a respiração
antes de Phalos iniciar a contação de histórias.
“Já
contei para vocês de como ganhei o nome de Phalos? Pois então! Eu nasci Groot,
e depois a vida me deu o Dovahkiin. Mas este nome foi levado quando eu matei um
ogro com seu próprio membro e depois matei o outro ogro com o mesmo pênis! SIM!
Sabem, fomos atacados por ogros e orcs. Durante a batalha, um dos meus golpes
certeiros arrancou o pênis de um dos ogros. Agarrei aquela cobra e
PAAAAAAAAAAAU! Bem na cabeça dele! Foi com tanta força que ele caiu. Virei para
o outro ogro, ainda com aquela anaconda na mão e PAAAAAAAAAAAAAAAAU! Explodi
aquele membro bem na têmpora dele! Já era! Morreu com o pinto do amigo na
cabeça! Tenho certeza que essa foi a maior diversão que aquele membro já teve
na vida, HÁ HÁ HÁ HÁ”
Siana
percebeu que Phalos se orgulhava muito daquela história, e provavelmente a
contava diversas vezes ao dia. O vocabulário divergia pouco do discurso que
acompanharam ao adentrar o recinto, mas não parecia ensaiado. Ele parecia
legitimamente interessado em contar a história.
“Também
teve aquela vez que matamos vários Yuan-Ti! Sabe, eu fico realmente MUITO
enfurecido nestas situações. Vejam, eles vieram nos atacar! Amlugnehtar, e eles
resolveram...NOS ATACAR! Estávamos em uma missão para descobrir para onde o
Culto estava levando o tesouro que estavam juntando com os ataques às cidades,
e os seguimos por um charco, logo depois de incendiarmos o acampamento deles.
Já contei isso para vocês? INCENDIAMOS TUDO! Claro, meu companheiro Barrocuda
foi quem de fato colocou o fogo, mas estávamos todos lá! Enfim... onde eu
estava mesmo? Acho que me perdi.”
“Aparentemente
vocês mataram Yuan-Ti num charco”, esclareceu Siana.
“Oh
sim...! Certo. Então, matamos todos
eles, e eu arranquei as cabeças deles e levei comigo. Logo depois, fomos quase
engolidos por um crocodilo gigante! CROCODILO GIGANTE! E isso foi logo quando
começamos a nos aventurar, éramos inexperientes e novos. Mas eu fiquei TÃO
BRAVO, mas... TÃO BRAVO que... precisei... matar todos eles.”
Siana
ficou um pouco impressionada com a quantidade de ódio que Phalos demonstrou
subitamente. Ele parecia querer atropelar as palavras e falhar, então começou a
falar com pausas não usuais entre as palavras.
Ofegante,
Phalos pareceu parar para refletir por alguns segundos. Depois, continuou a
falar.
“Este
crocodilo nos deu bastante trabalho, mas... no final, arranquei a mandíbula
dele. Quando eu percebi, estava coberto de sangue e UHUL!”. Phalos se levantou
e bateu no peito, levantando a mão direita em formato de punho. MAIS UMA
VITÓRIA! E então matamos nosso primeiro dragão. Eu estava lá, fui o primeiro a
pular nele. Não sei por que meus amigos costumavam esperar tanto! Guerra é
guerra, não existe... oportunidade, estratégia. Existe lâmina cortando carne!”.
O draconato parecia legitimamente animado. Uma sombra pareceu cobrir o brilho
nos seus olhos quando ele continuou a falar: “Estávamos quase vencendo o dragão,
um belíssimo exemplar de dragão branco, quando ele... resolveu fugir! Então,
meu querido Barrocuda, que havia virado um gorila gigante, agarrou o dragão
pela cauda, girou ele no ar e POOOOOOU! Estourou ele no chão!”
“Gorila
Gigante?”. Siana pareceu muito impressionada, mas Phalos demonstrou alguma
decepção pela pergunta ser relacionada a outro integrante.
“É...
a Nyx costumava transformar pessoas em animais gigantes nas horas vagas. Eu não
sei porque ela parou de fazer isso, mas nos rendeu ótimas batalhas! Já viramos
gorilas, rinocerontes, ursos, tiranossauros...”, respondeu Phalos, um pouco
mais desacelerado.
“Mas
isso é incrível! Magia é uma coisa realmente fascinante...”, disse Siana, com
um sorriso largo.
“Senhor
Phalos, e como você começou a se aventurar com Nyx, Barrocuda e os outros?”,
indagou Phidain.
“Bem,
Barrocuda me acolheu na floresta quando perdi minha família e minha casa. Nossos
laços são vitalícios e... fico muito triste de não saber onde ele está.”
“Ele
nunca mais deu notícias?”, preocupou-se Siana.
“Não.
Depois daquele dia na floresta, ele nunca mais apareceu nem deu notícias. Temo
por sua saúde e segurança. Amigos... estou um pouco cansado, e a conversa me
desanimou um pouco. Posso pedir que voltem outro dia para que terminemos as
histórias?”
“Mas
é claro, Senhor Phalos. Perdoe-nos por ter tomado tanto do seu tempo”. Siana
sentia profundamente a dor que Phalos emitia ao mencionar o amigo e tutor
perdido. Sentiu-se um pouco culpada por desconfiar de seu caráter durante a dança.
Internamente, resolveu-se com a teoria de que o número pode ou não ter
envolvido magia, mas que se isso de fato acontecera, certamente fora benigna e
edificante. Sentiu sua ansiedade dar lugar a um pouco de paz.
Despediram-se.
Phalos mostrou-se um pouco menos melancólico ao se levantar. Siana notou que
Phalos parecia uma pessoa de espírito leve e pouca modéstia. Apesar de tentar
transmitir brutalidade através de tantos troféus de caça e urros de guerra, as
histórias contavam que ele foi benevolente e salvou centenas de reféns do culto,
inclusive quando seus companheiros não consideravam o resgate factível. Seus
olhos bondosos também desafiavam a postura bruta, e Siana decidiu que Phalos
deveria ser perdoado pela falta de modéstia.
Phidain
parecia bastante cansado também e propôs que voltassem para casa. Puseram-se
então a caminhar calmamente pela paisagem noturna das ruas de Águas Profundas. Quando
ele se cansava, ficava um pouco mais calado. Siana não achava isso de todo
ruim.
Siana
morava com seus pais em Águas Profundas desde que nascera. Era muito nova
quando o Culto tentava invocar Tiamat. Ela passava seus dias no jardim de sua
pequena e charmosa casa, brincando com uma boneca que sua mãe havia feito para
ela. Viu as movimentações e ataques acontecendo, mas aquilo não lhe parecia errado
nem perigoso.
Sua
mãe, Halyna, uma humana filha de um pequeno fazendeiro, um dia perdeu-se num
bosque nos arredores de Daggerford. Ainda jovem, caminhou de forma errante além
dos limites da vila. A cidade estava em festa, uma grande feira tomava toda a
praça central. Seus pais expunham sua colheita de abóboras e nabos em uma
barraca surrada, e atendiam muitos clientes. Não notaram sua ausência até que
as barracas começassem a ser desmontadas. Como Halyna já beirava os dezesseis
anos, presumiram que ela havia ido para casa sem lhes alertar. “Esses jovens,
nunca pensam que seus pais podem se preocupar!”, disse a avó de Siana.
Halyna,
na realidade, havia adentrado a cada passo mais profundamente no bosque. As árvores
pareciam todas iguais, todas muito altas e cinzentas. O chão coberto de folhas
não parecia demonstrar trilhas ou pegadas recentes. Ela achou que estava andando
em círculos. Exausta e tentando em vão controlar o pânico, Halyna sentou-se e
respirou fundo como seu pai havia lhe ensinado.
Os
pulmões falhos de ambos necessitavam de conforto, principalmente no ar gelado
do bosque. O “mau ar”, como chamavam a doença, já havia levado dois de seus
tios paternos, e Halyna convivia com o medo desde seu primeiro ataque. Deitou-se de lado no chão, sentindo o cheiro
de terra úmida. Uma formiga subiu sobre seus dedos, caminhando pela mão relaxada
ao lado do corpo. Halyna acompanhou os pequenos passos da formiga e a distração
acalmou sua respiração. Seus pulmões pararam de chiar. Sentou-se novamente, um
pouco mais tranquila e ao preparar-se para levantar, ouviu uma flecha zunir ao
lado de sua orelha. Seus cabelos se levantaram com o deslocamento do ar.
“Quem
és tu que penetra tão fundo no bosque de Swyindaryn?”
“Eu...
eu estou perdida.”
“De
onde vierdes, criança?”, perguntou o elfo, saindo de trás da árvore grossa que
o escondia; suas mãos seguravam o arco, uma dezena de flechas acondicionadas na
aljava em suas costas. Era um belo rapaz, de cabelos longos. Suas orelhas pontudas
atravessavam a linha dos cabelos lisos e pontuavam o lado de fora da cabeça. Suas
roupas eram de tons de terra e verdes, e a cor de sua pele e de seus cabelos se
misturavam de forma fluida com o bosque. Sua imagem era difícil de distinguir.
“Daggerford...
e eu não sou criança!”
“Perdoe
minha falha; vocês humanos parecem todos muito jovens e muito velhos. Ao contrário
de meus irmãos, eu não costumo sair do bosque, então minha experiência com
humanos é... digamos... quase inexistente.”
“Você
pode me indicar o caminho de volta para Daggerford?”
“Pois
siga-me! Faço questão de levá-la até lá. Mas fique sabendo, tente não caminhar
por aqui. Esta é uma área protegida e apenas quem tem autorização expressa dos
elfos pode adentrar.”
“Puxa...
me desculpe. Já que caminharemos juntos, devo apresentar-me. Sou Halyna filha
de Harivold. E você?”
“Illithor,
filho de Ilyndrathyl do bosque de Swyindaryn. É uma honra servi-la, Senhora
Halyna filha de Harivold Invasora de Bosques Alheios!”
O
senso de humor a surpreendeu, pois todos os elfos que conhecera costumavam ser
estóicos e muito elegantes. Illithor caminhava com leveza, mas seu sorriso e
voz melodiosa não transmitiam superioridade.
Ao
chegarem novamente em Daggerford, duas horas depois, já estavam completamente
apaixonados.
A
união dos dois não foi bem recebida pela família dele, que acreditava que elfos
jamais deveriam se relacionar com humanos. Illithor viveria milhares de anos a
mais que Halyna, e sofreria a morte dela em pouco mais de meio século. Halyna,
por sua vez, teve sua decisão acolhida por seus pais, que ficaram muito felizes
por ela.
Quando
eles se casaram no outono seguinte, os pais dela decoraram o jardim com belas
abóboras e fitas coloridas. A família dele não compareceu, mas a dela estava lá,
cumprimentando-os e reprovando-os silenciosamente. Halyna, afinal, estava quase
tão redonda quando as abóboras do jardim.
Poucos
dias depois do casamento, Siana veio ao mundo. Fruto de um casamento entre elfo
e humana, ela tinha orelhas pontudas, mas não tanto quanto as de seu pai; tinha
a pele cor de madeira, mas não tão fácil de se camuflar como a dele. Tinha os
cabelos loiros arruivados de sua mãe, e belos olhos amendoados azuis.
Siana
fora criada em uma simpática casa em Águas Profundas, onde sua mãe estabeleceu
residência e cultivava legumes e verduras numa pequena horta. Seu pai transformou
o porão em uma pequena forja, onde criava armas leves e objetos de decoração élficos.
Educaram a filha com amor e bons valores, e Siana os aplicava de forma a deixar
seus pais orgulhosos. Halyna aparentava a idade que tinha, pouco mais de 35 anos.
Pequenas bolsas se formavam embaixo dos olhos, e intensas sardas pontuavam seu
belo rosto, frutos da exposição ao sol. Illithor, por sua vez, não havia envelhecido
um dia. Aos 160 anos, ainda parecia pouco mais que um adolescente.
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