quarta-feira, 4 de novembro de 2015

4 - A Humana no Bosque do Elfo

“E o que lhes traz aqui, jovens amigos? Vejo que permaneceram aqui depois que todos foram embora!”, indagou o draconato, com visível curiosidade.
                “Acho que foi justamente a debandada geral que nos manteve aqui, senhor Phalos. Fiquei curiosa com a razão do êxodo repentino.”, disse Siana, recobrando lentamente o auto controle.
                “Ah sim, isso sempre acontece. Aparentemente, minha música cansa um pouco as pessoas...”
                “Sua música foi absolutamente encantadora, ENCANTADORA! Há muitos anos que não via uma dança como aquela!”, disse Phidain.
                “Então, senhor Phalos. Viemos visitar a Taverna com a intenção de conversar um pouco sobre Alugnehtar e seus integrantes. Devo dizer que grande parte das lendas mais memoráveis envolvem seu nome. Será que poderíamos ouvir algumas de suas histórias? Não queremos incomodar, se não for possí...”
                “MAS É CLARO!”, interrompeu Phalos. Siana não teve tempo de recobrar a respiração antes de Phalos iniciar a contação de histórias.
                “Já contei para vocês de como ganhei o nome de Phalos? Pois então! Eu nasci Groot, e depois a vida me deu o Dovahkiin. Mas este nome foi levado quando eu matei um ogro com seu próprio membro e depois matei o outro ogro com o mesmo pênis! SIM! Sabem, fomos atacados por ogros e orcs. Durante a batalha, um dos meus golpes certeiros arrancou o pênis de um dos ogros. Agarrei aquela cobra e PAAAAAAAAAAAU! Bem na cabeça dele! Foi com tanta força que ele caiu. Virei para o outro ogro, ainda com aquela anaconda na mão e PAAAAAAAAAAAAAAAAU! Explodi aquele membro bem na têmpora dele! Já era! Morreu com o pinto do amigo na cabeça! Tenho certeza que essa foi a maior diversão que aquele membro já teve na vida, HÁ HÁ HÁ HÁ”
                Siana percebeu que Phalos se orgulhava muito daquela história, e provavelmente a contava diversas vezes ao dia. O vocabulário divergia pouco do discurso que acompanharam ao adentrar o recinto, mas não parecia ensaiado. Ele parecia legitimamente interessado em contar a história.
                “Também teve aquela vez que matamos vários Yuan-Ti! Sabe, eu fico realmente MUITO enfurecido nestas situações. Vejam, eles vieram nos atacar! Amlugnehtar, e eles resolveram...NOS ATACAR! Estávamos em uma missão para descobrir para onde o Culto estava levando o tesouro que estavam juntando com os ataques às cidades, e os seguimos por um charco, logo depois de incendiarmos o acampamento deles. Já contei isso para vocês? INCENDIAMOS TUDO! Claro, meu companheiro Barrocuda foi quem de fato colocou o fogo, mas estávamos todos lá! Enfim... onde eu estava mesmo? Acho que me perdi.”
                “Aparentemente vocês mataram Yuan-Ti num charco”, esclareceu Siana.
                “Oh sim...! Certo.  Então, matamos todos eles, e eu arranquei as cabeças deles e levei comigo. Logo depois, fomos quase engolidos por um crocodilo gigante! CROCODILO GIGANTE! E isso foi logo quando começamos a nos aventurar, éramos inexperientes e novos. Mas eu fiquei TÃO BRAVO, mas... TÃO BRAVO que... precisei... matar todos eles.”
                Siana ficou um pouco impressionada com a quantidade de ódio que Phalos demonstrou subitamente. Ele parecia querer atropelar as palavras e falhar, então começou a falar com pausas não usuais entre as palavras.
                Ofegante, Phalos pareceu parar para refletir por alguns segundos. Depois, continuou a falar.
                “Este crocodilo nos deu bastante trabalho, mas... no final, arranquei a mandíbula dele. Quando eu percebi, estava coberto de sangue e UHUL!”. Phalos se levantou e bateu no peito, levantando a mão direita em formato de punho. MAIS UMA VITÓRIA! E então matamos nosso primeiro dragão. Eu estava lá, fui o primeiro a pular nele. Não sei por que meus amigos costumavam esperar tanto! Guerra é guerra, não existe... oportunidade, estratégia. Existe lâmina cortando carne!”. O draconato parecia legitimamente animado. Uma sombra pareceu cobrir o brilho nos seus olhos quando ele continuou a falar: “Estávamos quase vencendo o dragão, um belíssimo exemplar de dragão branco, quando ele... resolveu fugir! Então, meu querido Barrocuda, que havia virado um gorila gigante, agarrou o dragão pela cauda, girou ele no ar e POOOOOOU! Estourou ele no chão!”
                “Gorila Gigante?”. Siana pareceu muito impressionada, mas Phalos demonstrou alguma decepção pela pergunta ser relacionada a outro integrante.
                “É... a Nyx costumava transformar pessoas em animais gigantes nas horas vagas. Eu não sei porque ela parou de fazer isso, mas nos rendeu ótimas batalhas! Já viramos gorilas, rinocerontes, ursos, tiranossauros...”, respondeu Phalos, um pouco mais desacelerado.
                “Mas isso é incrível! Magia é uma coisa realmente fascinante...”, disse Siana, com um sorriso largo.
                “Senhor Phalos, e como você começou a se aventurar com Nyx, Barrocuda e os outros?”, indagou Phidain.
                “Bem, Barrocuda me acolheu na floresta quando perdi minha família e minha casa. Nossos laços são vitalícios e... fico muito triste de não saber onde ele está.”
                “Ele nunca mais deu notícias?”, preocupou-se Siana.
                “Não. Depois daquele dia na floresta, ele nunca mais apareceu nem deu notícias. Temo por sua saúde e segurança. Amigos... estou um pouco cansado, e a conversa me desanimou um pouco. Posso pedir que voltem outro dia para que terminemos as histórias?”
                “Mas é claro, Senhor Phalos. Perdoe-nos por ter tomado tanto do seu tempo”. Siana sentia profundamente a dor que Phalos emitia ao mencionar o amigo e tutor perdido. Sentiu-se um pouco culpada por desconfiar de seu caráter durante a dança. Internamente, resolveu-se com a teoria de que o número pode ou não ter envolvido magia, mas que se isso de fato acontecera, certamente fora benigna e edificante. Sentiu sua ansiedade dar lugar a um pouco de paz.
                Despediram-se. Phalos mostrou-se um pouco menos melancólico ao se levantar. Siana notou que Phalos parecia uma pessoa de espírito leve e pouca modéstia. Apesar de tentar transmitir brutalidade através de tantos troféus de caça e urros de guerra, as histórias contavam que ele foi benevolente e salvou centenas de reféns do culto, inclusive quando seus companheiros não consideravam o resgate factível. Seus olhos bondosos também desafiavam a postura bruta, e Siana decidiu que Phalos deveria ser perdoado pela falta de modéstia.
                Phidain parecia bastante cansado também e propôs que voltassem para casa. Puseram-se então a caminhar calmamente pela paisagem noturna das ruas de Águas Profundas. Quando ele se cansava, ficava um pouco mais calado. Siana não achava isso de todo ruim.
                Siana morava com seus pais em Águas Profundas desde que nascera. Era muito nova quando o Culto tentava invocar Tiamat. Ela passava seus dias no jardim de sua pequena e charmosa casa, brincando com uma boneca que sua mãe havia feito para ela. Viu as movimentações e ataques acontecendo, mas aquilo não lhe parecia errado nem perigoso.
                Sua mãe, Halyna, uma humana filha de um pequeno fazendeiro, um dia perdeu-se num bosque nos arredores de Daggerford. Ainda jovem, caminhou de forma errante além dos limites da vila. A cidade estava em festa, uma grande feira tomava toda a praça central. Seus pais expunham sua colheita de abóboras e nabos em uma barraca surrada, e atendiam muitos clientes. Não notaram sua ausência até que as barracas começassem a ser desmontadas. Como Halyna já beirava os dezesseis anos, presumiram que ela havia ido para casa sem lhes alertar. “Esses jovens, nunca pensam que seus pais podem se preocupar!”, disse a avó de Siana.
                Halyna, na realidade, havia adentrado a cada passo mais profundamente no bosque. As árvores pareciam todas iguais, todas muito altas e cinzentas. O chão coberto de folhas não parecia demonstrar trilhas ou pegadas recentes. Ela achou que estava andando em círculos. Exausta e tentando em vão controlar o pânico, Halyna sentou-se e respirou fundo como seu pai havia lhe ensinado.
                Os pulmões falhos de ambos necessitavam de conforto, principalmente no ar gelado do bosque. O “mau ar”, como chamavam a doença, já havia levado dois de seus tios paternos, e Halyna convivia com o medo desde seu primeiro ataque.  Deitou-se de lado no chão, sentindo o cheiro de terra úmida. Uma formiga subiu sobre seus dedos, caminhando pela mão relaxada ao lado do corpo. Halyna acompanhou os pequenos passos da formiga e a distração acalmou sua respiração. Seus pulmões pararam de chiar. Sentou-se novamente, um pouco mais tranquila e ao preparar-se para levantar, ouviu uma flecha zunir ao lado de sua orelha. Seus cabelos se levantaram com o deslocamento do ar.
                “Quem és tu que penetra tão fundo no bosque de Swyindaryn?”
                “Eu... eu estou perdida.”
                “De onde vierdes, criança?”, perguntou o elfo, saindo de trás da árvore grossa que o escondia; suas mãos seguravam o arco, uma dezena de flechas acondicionadas na aljava em suas costas. Era um belo rapaz, de cabelos longos. Suas orelhas pontudas atravessavam a linha dos cabelos lisos e pontuavam o lado de fora da cabeça. Suas roupas eram de tons de terra e verdes, e a cor de sua pele e de seus cabelos se misturavam de forma fluida com o bosque. Sua imagem era difícil de distinguir.
                “Daggerford... e eu não sou criança!”
                “Perdoe minha falha; vocês humanos parecem todos muito jovens e muito velhos. Ao contrário de meus irmãos, eu não costumo sair do bosque, então minha experiência com humanos é... digamos... quase inexistente.”
                “Você pode me indicar o caminho de volta para Daggerford?”
                “Pois siga-me! Faço questão de levá-la até lá. Mas fique sabendo, tente não caminhar por aqui. Esta é uma área protegida e apenas quem tem autorização expressa dos elfos pode adentrar.”
                “Puxa... me desculpe. Já que caminharemos juntos, devo apresentar-me. Sou Halyna filha de Harivold. E você?”
                “Illithor, filho de Ilyndrathyl do bosque de Swyindaryn. É uma honra servi-la, Senhora Halyna filha de Harivold Invasora de Bosques Alheios!”
                O senso de humor a surpreendeu, pois todos os elfos que conhecera costumavam ser estóicos e muito elegantes. Illithor caminhava com leveza, mas seu sorriso e voz melodiosa não transmitiam superioridade.
                Ao chegarem novamente em Daggerford, duas horas depois, já estavam completamente apaixonados.
                A união dos dois não foi bem recebida pela família dele, que acreditava que elfos jamais deveriam se relacionar com humanos. Illithor viveria milhares de anos a mais que Halyna, e sofreria a morte dela em pouco mais de meio século. Halyna, por sua vez, teve sua decisão acolhida por seus pais, que ficaram muito felizes por ela.
                Quando eles se casaram no outono seguinte, os pais dela decoraram o jardim com belas abóboras e fitas coloridas. A família dele não compareceu, mas a dela estava lá, cumprimentando-os e reprovando-os silenciosamente. Halyna, afinal, estava quase tão redonda quando as abóboras do jardim.
                Poucos dias depois do casamento, Siana veio ao mundo. Fruto de um casamento entre elfo e humana, ela tinha orelhas pontudas, mas não tanto quanto as de seu pai; tinha a pele cor de madeira, mas não tão fácil de se camuflar como a dele. Tinha os cabelos loiros arruivados de sua mãe, e belos olhos amendoados azuis.

                Siana fora criada em uma simpática casa em Águas Profundas, onde sua mãe estabeleceu residência e cultivava legumes e verduras numa pequena horta. Seu pai transformou o porão em uma pequena forja, onde criava armas leves e objetos de decoração élficos. Educaram a filha com amor e bons valores, e Siana os aplicava de forma a deixar seus pais orgulhosos. Halyna aparentava a idade que tinha, pouco mais de 35 anos. Pequenas bolsas se formavam embaixo dos olhos, e intensas sardas pontuavam seu belo rosto, frutos da exposição ao sol. Illithor, por sua vez, não havia envelhecido um dia. Aos 160 anos, ainda parecia pouco mais que um adolescente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário