terça-feira, 24 de novembro de 2015

25 – Alguém chamado Nabara

            Em fila, os cinco conseguiram alcançar o salão de onde vieram. Os lagartos gigantes não estavam visíveis, e eles presumiram que já tivessem fugido também.
            Olharam a plataforma por onde desceram, com o banco circular a bacia sagrada. Não havia nenhum mecanismo evidente que parecesse fazer a plataforma ser ativada para que subisse novamente. Era como se a plataforma ficasse na cabeça de um grande parafuso, que entrava e saía do solo por um grande pedestal, como o corpo do parafuso, que seguia um trilho espiralado.
            “Ai não... isso não...”, disse Navere, em tom muito baixo. Atrás deles, o corredor já estava completamente colapsado. O grande salão escuro onde estavam parecia rugir furiosamente, mas ainda não havia cedido à pressão do desabamento.
            Askáth pareceu ter uma ideia. “Sentem-se no banco! Rápido!”, disse ele.
            Obediente, mas desconfiadamente, os outros sentaram-se com pressa no banco circular mais uma vez. Ao contrário da vez anterior, Askáth sentou entre eles. De uma pequena bolsa de pano amarrada à cintura, tirou uma bela esmeralda brilhante.
            Os outros quatro olharam incrédulos enquanto Askáth depositava a gema no fundo da bacia, onde parecia encaixar muito bem. Assim que ele a soltou, a plataforma começou a iniciar o movimento de subida.
            Os sons de desmoronamento chegaram à sala onde estavam, mas as paredes naturais apenas racharam, deixando grandes pedregulhos se desprenderem e rolarem em direção ao meio do salão. Quando chegaram ao andar superior, os sons cataclísmicos haviam cessado.
            No salão do templo, nada parecia ter mudado. As estátuas e arte não pareciam ter sofrido com os danos estruturais que haviam derrubado todo o subsolo do templo.  Saíram rapidamente, com medo que finalmente o templo sucumbisse à pressão. Quando alcançaram o bosque do lado de fora, puderam finalmente respirar com mais calma, inspirando com fartura o ar desprovido de partículas da poeira grossa.
            “Siana... Siana... Siana...”, repetia Navere, em voz muito baixa. Randal observava a entrada do templo, exibindo uma expressão de pesar.
            Thaal ajoelhou-se e começou a rezar.
            “Askáth, precisamos fazer alguma coisa. Esses aí não vão ajudar em nada por bastante tempo.”, disse Desmond, andando nervosamente. “Siana não estava lá. Ela não pode ter estado lá esse tempo todo, nós procuramos por todos os lados, por tanto tempo! Eu me recuso a acreditar que ela tenha ficado lá e... e...”
            “Morrido.”, disse Randal. “Sim, eu também me recuso a acreditar nisso, mas as evidências são muito fortes, você precisa concordar”.
            “Ainda assim, temos que tentar. Temos sempre que tentar. E ainda tem... todos os Amlugnehtar para acharmos e o resto do Culto para pararmos e... e...”
            “Calma, Desmond. Vamos por partes. O que encontramos ali dentro? Temos dinheiro, joias, armas e... Thaal, o que você achou?”, disse Askáth.
            Thaal não respondeu. Ajoelhado, tinha uma das mãos estendida à frente do corpo e a outra aninhando a insígnia de Torm que levava no peito. Askáth decidiu que não valia a pena esperar e tomou-lhe a bolsa que carregava. Thaal não se mexeu, embora parecesse impossível que ele não tivesse notado que sua única bagagem lhe fora tirada.
            Askáth sentou-se no chão com as pernas abertas, abriu a bolsa de Thaal e despejou o conteúdo no chão. Como uma criança mexendo em objetos dos pais, pegava cada pergaminho, carta e objeto como se não o compreendesse.
            Desmond sentou-se ao seu lado e começou a triar os pergaminhos, inicialmente entre os compreensíveis e os completamente fora das capacidades deles. Randal e Navere eventualmente se recompuseram e sentaram-se, ajudando a compreender o achado.
            Em um pergaminho, leram instruções sobre como guardar o tesouro que haviam angariado;
            Em um pedaço de papel, haviam ordens para que Loric fosse observado de perto, pois estava manifestando comportamento muito estranho. Na assinatura constava um “N”;
            Em um pergaminho longo, havia uma lista de cidades, com endereços especificados em cada uma delas;
            Em um pergaminho com selo oficial, alguém chamado Nabara se intitulava responsável pela resistência do Culto e prometia que as raízes seriam reerguidas e os objetivos tradicionais seriam retomados. Uma série de assinaturas se seguia, de nomes que nenhum deles conhecia;
            Em um pedaço de papel também com o timbre do Culto, havia um juramento a Tiamat, que envolvia a penitência eterna pela falha no ritual de invocação.
            Em outro pergaminho havia uma magia escrita em belas runas. Se esta fosse lida em voz alta por alguém que a conhecesse, seria executada instantaneamente. Navere a conhecia. Antes que outros pudessem compreender as estranhas runas, Navere guardou o pergaminho em sua própria bolsa.
            Finalmente, no livro retirado do baú, descobriram vastas instruções entremeadas por fatos históricos, sobre a criação de dracolichs. O livro tinha “Dracolichs: um guia”, escrito em tinta dourada em baixo relevo na capa negra.
            Em uma das páginas do livro, um belo desenho a tinta de uma dracolich chamava a atenção. O corpo tinha o formato de um dragão, mas não havia carne, nem escamas. Apenas o esqueleto perdurava, e este parecia vivo e muito perigoso. A dracolich do desenho era imponente e empunhava sua enorme garra esquelética na direção de humanos diminutos.
            Havia menção de dragões que foram mortos em batalhas serem transformados em dracolichs, mas a maioria dos dragões cromáticos que eram transformados passavam pelo processo ainda em vida. Seus corpos, depois do ritual, ainda aparentavam como eram antes. Com o passar do tempo, sua carne apodrecia e seus ossos remanesciam, dando-lhe a aparência conhecida das dracolichs.
            O processo envolvia também uma filactéria, um recipiente mágico que é capaz de guardar a alma do dragão morto, tal qual recipiente semelhante abriga a alma das lichs comuns. Mesmo que o corpo do dragão seja destruído, sua alma perdurará. Apenas a destruição completa do receptáculo do espírito dracônico causará a morte real da dracolich.
            O livro detalhava com afinco cada passo necessário para a realização do ritual. O procedimento era profano, como toda magia necromântica. Ao terminarem de ler, suas bocas foram tomadas por um sabor metálico, e todos eles perderam a fome.
            Thaal continuava rezando. Começaram a guardar de volta na bolsa tudo aquilo que haviam conseguido juntar, e sentaram-se em círculo, perto do clérigo, para discutir seu destino e o que poderiam fazer para encontrar Siana e os Amlugnehtar. Concluíram que não desistiram dela.

Olha só, parece que os encontramos!

            Navere não conseguiu piscar. Sua respiração parou, e ele ficou completamente imóvel. Os outros levantaram a cabeça, procurando a origem da voz. Demoraram mais alguns segundos para localizá-la: mais uma vez, dentro das próprias mentes.
            Mestre.
Vejo que tiveram bastante trabalho desde que nos falamos da última vez.
            Navere deixou escorrer uma lágrima do canto do olho. Ele permanecia imóvel. Thaal parou de rezar, abaixou a mão e conseguiu se levantar.
            “QUEM VEM LÁ?!”, perguntou ele, firmemente.
            Clérigo, não adianta, vocês virão conosco.
            “MOSTRE-SE!”, gritou Thaal de volta.
            Mas se você insiste...
            De trás da árvore mais próxima saiu um illithid. Da outra, um pouco mais ao lado, saiu outro. Alguns segundos depois e mais de trinta árvores daquela parte do bosque tinham produzido illithids saindo de suas sombras.
            Além deles, uma grande quantidade de pessoas vinha caminhando na direção dos cinco, denunciada pela marcha irregular de centenas de pés pisando em folhas secas do bosque.
            Menos de um minuto depois, eles estavam rodeados por mais de duzentas criaturas. Illithids, lagartos gigantes, cultistas em robes simples, magos, magos vermelhos de Thay. Entre eles ainda havia dois uchuulons, como aquele que viram durante a fuga, e um enorme beholder. Com um olho central esbranquiçado e sua carne parecendo decrépita, apontava os tentáculos arroxeados cheios de olhos para o grupo. O corpo do beholder pairava a meio metro do chão, fazendo sua boca gigantesca e cheia de dentes afiados ter espaço para abrir ameaçadoramente. De fato, ela pendia aberta, mostrando-se pronta para atacar.

            Vocês ainda estão atrapalhando muito... teremos que levá-los. Se vocês tivessem se comportado, isso não teria que acontecer.

            Nenhum deles conseguia se mexer. Mestre parecia tocar fundo em suas mentes, tornando-os incapazes de reagir. Apesar disso, Navere tentava, com todas as forças, estender o braço para dentro de sua bolsa.
            Ele conseguiu murmurar alguma coisa. Os outros conseguiram ouvir dentro de suas mentes, por causa do elo mental catalisado por Mestre.
            “Que vocês todos morram.”, disse Navere.
            De forma completamente inesperada, aquelas centenas de pessoas começaram a avançar na direção deles. Mestre não pronunciou mais nada, mas a fúria pôde ser sentida nas mentes de todos. Era como se todos eles ali, inclusive os cultistas, monstros e até animais do bosque fossem um só. Sentiam em Mestre e em todos a vontade visceral de que eles fossem dilacerados, comidos vivos por todos aqueles monstros aberrantes.
            O beholder avançou mais rápido do que todos, e estava muito próximo. O cheiro de sua carne podre chegava aos narizes deles. Um de seus tentáculos se projetou na direção deles. Um raio vermelho atingiu o chão perto dos pés de Navere, mas isso não o impediu. Uma grande quantidade de setas e flechas foram atiradas na direção deles. Como os atacantes se moviam, nenhuma delas teve mira suficiente para acertá-los.
            O bardo retirou de sua bolsa o pergaminho. Em voz alta, leu a magia, sentindo Mestre e todos os outros ficarem mais e mais enfurecidos a cada palavra proferida.
            Sentiu o bafo do beholder tocar-lhe a face no último instante.

            Então, tudo ficou em silêncio.

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