Quando
Desmond acordou, a porta da casa de Phidain ainda estava aberta. A luz não
parecia ter mudado muito, e ele calculou ter ficado inconsciente por não mais do
que alguns minutos. A faca de osso ainda estava cravada em suas costelas, mas não
parecia ter atingido nenhum órgão vital.
Levantou-se
com cuidado, tentando impedir possíveis movimentos da arma fincada em seu
corpo. Apoiou-se numa mesa, tentando respirar de forma eficiente e não muito
profunda, com medo de fazer a faca penetrar mais ou atingir seus pulmões. Quando
conseguiu achar o ritmo correto, permitiu-se dois minutos de calma antes de tentar
retirar a faca.
Com
uma das mãos, agarrou um pedaço do lençol da cama de Phidain. Usou a outra
momentaneamente para auxiliá-lo a cortar um pedaço, e então posicionou o pano dobrado
já no lugar correto. Prendeu a respiração.
“Um...
dois... três...!”, murmurou ele, e puxou. A dor foi lancinante e inesperada. Irradiou
para toda a caixa torácica e abdome, descendo também pela espinha até o sacro e
subindo até a nuca. Mesmo com dor tão
intensa, Desmond conseguiu jogar a faca no chão e cobrir o ferimento com o
pedaço de lençol. O sangue profundia copiosamente, mas o ladino conseguiu
impedir que a perda de sangue fosse muito grande pressionando o tecido por cima.
Quando
o ritmo cardíaco se acalmou e ele pressionava firmemente o curativo no lugar, em
cima da mesa seus olhos encontraram um pedaço de pergaminho aberto. De cabeça
para baixo, distinguiu em letras de grafia rápida, mas bem definidas, em meio ao
texto:
Amlugnehtar
Desmond
esticou a mão, pegou o pergaminho e leu, o mais rapidamente possível:
Phidain,
Suas ordens são depositar este artefato em
algum lugar na base da torre dos Amlugnehtar, perto das estátuas no salão
principal. Lembre-se de colocar em algum lugar não muito flagrante, mas não
escondido de forma a ser impossível de ser visto. O motivo não lhe diz
respeito, sua missão é apenas esta. Não questione.
Assim que você realizar a tarefa, pode buscar
o que é seu. Siana e Navere estão a salvo.
Considere sua dívida paga. Da próxima vez, resista
menos. Você sabe que temos todas as armas contra você.
A
carta enregelou Desmond da cabeça aos pés. Ele pôde sentir o sangue fugindo de
sua face e pintando seu rosto de cinza. Desmond enfiou a carta da forma que pôde
no bolso e tentou rastrear o caminho que Phidain poderia ter feito ao sair da
casa dele. Ainda segurando o curativo contra as costelas feridas, tentou localizar
sinais da movimentação do bardo. Mesmo utilizando todos os seus conhecimentos de
rastreamento e busca, não teve sucesso.
Voltou
da forma mais rápida que conseguiu até Garek Whitebeard, esperando que
conseguisse localizar o bardo através de magia. Mesmo depois de algumas horas
de buscas, Garek mostrou-se incapaz de produzir informações sobre o paradeiro
de Phidain, mas indicou que Siana e Navere, mencionados na carta, poderiam
esclarecer de alguma forma sobre os acontecimentos, a missão ou quem era Phidain.
Pareciam ser de importância ao halfling, portanto provavelmente eram alvos de
busca a serem considerados.
Os
contatos ladinos de Desmond não obtiveram sucesso da mesma forma para buscar Phidain,
e o desespero já era maior do que o suportável. Depois de receber auxílio médico
para seu ferimento, incumbiu a tarefa de localizar as outras duas pessoas
mencionadas na carta a um grupo de magos auxiliados por Garek.
Finalmente,
eles obtiveram uma resposta positiva através de adivinhações. Em menos de meia
hora, Desmond alcançou a porta da casa de Askáth, curiosamente o local apontado
para a localização de Siana e Navere.
A
tempo de ouvir o final da conversa entre Askáth Umbra, Siana, Navere, Thaal e
Randal Evenwood, Desmond irrompeu pela porta, trazendo em suas mãos a carta
roubada de Phidain, respostas para alguns dos questionamentos deles e ainda
mais perguntas a fazer-lhes.
“Calma,
Desmond! O que faz aqui?”, disse Askáth. “Espero que esteja tudo bem. Randal,
levante daí e deixe Desmond sentar. Temos que dar lugar aos mais velhos”, disse
ele, sorrindo levemente.
“Eu...
rastreei vocês dois, porque procuro por Phidain”, disse Desmond a Siana e
Navere.
“A
nós? Por que?”, perguntou Navere.
“Vocês...
foram.... mencionados aqui nesta carta.”, disse Desmond, com a respiração muito
debilitada pela corrida.
Siana
pegou o pergaminho. Para facilitar a compreensão de todos, leu em voz alta.
Os
olhos deles se arregalaram, ao entenderem que haviam sido levados não porque
eram interessantes ou de utilidade para alguém, mas para servir como isca para
Phidain.
“Agora
que já entenderam... Askáth, Randal... o que eles estão fazendo aqui?”
“Nós
os encontramos numa prisão subterrânea, junto a este clérigo aqui, o Thaal.”
“O
que vocês estavam fazendo lá nesta prisão subterrânea? Eu não enviei vocês até
o templo de Sonam?”
“Nós
fomos sequestrados na nossa primeira noite e levados para esta prisão. O amigo
branquelo aqui estava numa das celas como nós, mas Siana e Navere estavam... diferentes.”,
disse Randal.
“Diferentes?”,
perguntou ele.
“Fomos
levados por um Illithid”, disse Siana. Desmond arregalou os olhos. “Aparentemente,
ele nos dominou mentalmente e sugou nossa energia vital até estarmos quase
completamente drenados. Se não fossem Thaal, Askáth e Randal, teríamos morrido
ali mesmo.”
“Um
ILLITHID? Você está falando sério?”
“Sim...
infelizmente ela está falando sério”, disse Navere. “Mas ele foi morto e nós
fomos resgatados logo em seguida.”
“E
quem o matou? Eliminar um monstro como este pode ser uma tarefa quase impossível.”,
perguntou Desmond. Askáth, Randal e Thaal se viraram para Navere esperando a
resposta, já que quando eles alcançaram as celas suspensas de Navere e Siana, o
illithid já estava morto.
“Phidain.”,
disse Siana, inesperadamente.
“PHIDAIN?”,
perguntou Desmond. ”Por que tudo converge para este Phidain?! Ele é apenas um
bardo halfling com uma boa pontaria!”
“Precisamos
achar a resposta. Mas o que você acha que podemos fazer, Desmond? Por que você
precisa achar Phidain? ”, perguntou Navere.
“Esta
missão que vocês leram, a que foi designada a Phidain, foi concluída. O tal
artefato foi plantado na taverna, era uma pedra com poderes embutidos, de
adivinhação, divinação e tantos outros que não puderam ser identificados. As
consequências foram imensuráveis. Os outros Amlugnehtar e todos os que estavam
na taverna, juntamente à magia que embebia o lugar... todos... desapareceram.”,
respondeu Desmond.
“Como
assim?”, perguntou Siana. “Desapareceram?”
“Como
uma miragem. Como se nunca tivessem existido. Estou à procura desesperadamente por
eles, mas não sei mais onde procurar. Phidain esteve nas minhas mãos, mas me
feriu e escapou.”
“Phidain
foi capaz de ferir você? Aquele baixinho bardo?”, perguntou Askáth, em um misto
de surpresa e diversão.
Desmond
não riu, assim como os outros.
O
silêncio imperou por alguns instantes, antes que Thaal o quebrasse de forma
imprevisível.
“Eu
acho que sei o que está acontecendo.”, disse ele. Os olhares voltaram-se para
ele, que continuou a falar. “Eu peço desculpas a vocês, pois menti. Eu sei como
fui parar naquela prisão.”
“Está
desculpado. Agora fale.”, disse Randal.
“Meu
mestre me enviou aqui para investigar possíveis atividades do Culto do Dragão.”
“CULTO
DO QUE?”, gritou Desmond.
“Isso
mesmo. Fui informado que há cultistas remanescentes aqui mesmo em Águas
Profundas e que eles se aliaram a illithids para retomar as atividades do
Culto.”
Desmond
pareceu desamparado. Seus olhos esqueceram de piscar. Sua cabeça despencou
sobre suas mãos, que se enredaram em seus cabelos. Os cotovelos apoiaram-se nos
seus joelhos. Ele permaneceu assim por alguns instantes.
“Por
que... você... não disse isso ANTES?”, perguntou Randal, transtornado.
“Porque
eu não conhecia vocês, achei que poderia colocá-los em risco ainda mais do que
já estavam se vocês soubessem essas informações. Agora vejo que foi um erro, que
eu deveria tê-los informado o mais rápido possível.” . Thaal respondeu de forma
calma, mas demonstrava algum arrependimento na voz. Entendia que o erro poderia
ter um preço muito alto a ser pago, e a responsabilidade seria dele.
“Culto
do Dragão... em atividade... é simplesmente inacreditável...”, repetia Desmond,
em tom baixo.
“Fui
capturado pois suspeitaram de mim. Estava ali embaixo havia pouco quando vocês
me encontraram. Nem tinha tido a chance de curar meus ferimentos. Me disseram
que... eu era puro demais. Que seria usado em sacrifício, em um ritual de
invocação. ” .
“Isso
explica tudo... exceto a participação de Phidain. Mas agora isso já não importa
mais. Eles levaram os Amlugnehtar. O culto levou todos eles. Só pode ter sido
por vingança.”, ponderou Desmond. Suas feições eram do mais profundo desespero,
e ele parecia se sentir absolutamente sem rumo. “Invocação... será que tentarão
trazer Tiamat mais uma vez? Não pode ser... eles não tem mais contingente para
isso... não pode ser, não pode ser...”
“Podemos
tentar concluir a missão de Thaal, conseguir mais informações e resgatar todos
aqueles que foram levados.”, disse Siana, doce mas firmemente. “É a única coisa
que podemos tentar fazer agora.”
“Menina...
se eles levaram quatro pessoas como Nyx, Phalos, Sonam e Orsin além de centenas
de outras, o que lhe faz acreditar que uma criança como você pode fazer a
diferença? Nós estamos acabados, eles estão perdidos para sempre.”, disse
Desmond. Algumas lágrimas começaram a se juntar nos cantos das pálpebras.
“Se
não fizermos nada, certamente eles vencerão. Temos que tentar, ao menos uma vez”,
disse Siana. “Veja por este lado: eles não sabem ainda que sabemos sobre eles.”
“Só
concordo com você, mocinha, porque não tenho mais nenhuma opção. Acho que somos
a única esperança de encontrar os Amlugnehtar, as outras pessoas e... parar o
Culto do Dragão... mais uma vez. Só não tenho nem ideia de como começar.”, disse
Desmond, limpando duas lágrimas.
“Podemos
começar ouvindo tudo o que Thaal tem para nos dizer.”, disse Askáth. Olhou diretamente
para os olhos amarelados do aasimar, tentando encontrar alguma forma de conseguirem
trabalhar juntos em algo tão complexo e perigoso. Decidiu que não havia escolha
e que a partir daquele momento, eles estavam unidos, pela guerra e pelo sangue.
Eles se levantaram, se puseram em círculo e
Thaal iniciou o discurso com o resto dos
detalhes que havia recebido de seu mestre.
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