quinta-feira, 19 de novembro de 2015

19 – Phidain e a pedra

Quando Desmond acordou, a porta da casa de Phidain ainda estava aberta. A luz não parecia ter mudado muito, e ele calculou ter ficado inconsciente por não mais do que alguns minutos. A faca de osso ainda estava cravada em suas costelas, mas não parecia ter atingido nenhum órgão vital.
Levantou-se com cuidado, tentando impedir possíveis movimentos da arma fincada em seu corpo. Apoiou-se numa mesa, tentando respirar de forma eficiente e não muito profunda, com medo de fazer a faca penetrar mais ou atingir seus pulmões. Quando conseguiu achar o ritmo correto, permitiu-se dois minutos de calma antes de tentar retirar a faca.
Com uma das mãos, agarrou um pedaço do lençol da cama de Phidain. Usou a outra momentaneamente para auxiliá-lo a cortar um pedaço, e então posicionou o pano dobrado já no lugar correto. Prendeu a respiração.
“Um... dois... três...!”, murmurou ele, e puxou. A dor foi lancinante e inesperada. Irradiou para toda a caixa torácica e abdome, descendo também pela espinha até o sacro e subindo até a nuca.  Mesmo com dor tão intensa, Desmond conseguiu jogar a faca no chão e cobrir o ferimento com o pedaço de lençol. O sangue profundia copiosamente, mas o ladino conseguiu impedir que a perda de sangue fosse muito grande pressionando o tecido por cima.
Quando o ritmo cardíaco se acalmou e ele pressionava firmemente o curativo no lugar, em cima da mesa seus olhos encontraram um pedaço de pergaminho aberto. De cabeça para baixo, distinguiu em letras de grafia rápida, mas bem definidas, em meio ao texto:

Amlugnehtar

Desmond esticou a mão, pegou o pergaminho e leu, o mais rapidamente possível:

Phidain,

Suas ordens são depositar este artefato em algum lugar na base da torre dos Amlugnehtar, perto das estátuas no salão principal. Lembre-se de colocar em algum lugar não muito flagrante, mas não escondido de forma a ser impossível de ser visto. O motivo não lhe diz respeito, sua missão é apenas esta. Não questione.
Assim que você realizar a tarefa, pode buscar o que é seu. Siana e Navere estão a salvo.
Considere sua dívida paga. Da próxima vez, resista menos. Você sabe que temos todas as armas contra você.

A carta enregelou Desmond da cabeça aos pés. Ele pôde sentir o sangue fugindo de sua face e pintando seu rosto de cinza. Desmond enfiou a carta da forma que pôde no bolso e tentou rastrear o caminho que Phidain poderia ter feito ao sair da casa dele. Ainda segurando o curativo contra as costelas feridas, tentou localizar sinais da movimentação do bardo. Mesmo utilizando todos os seus conhecimentos de rastreamento e busca, não teve sucesso.
Voltou da forma mais rápida que conseguiu até Garek Whitebeard, esperando que conseguisse localizar o bardo através de magia. Mesmo depois de algumas horas de buscas, Garek mostrou-se incapaz de produzir informações sobre o paradeiro de Phidain, mas indicou que Siana e Navere, mencionados na carta, poderiam esclarecer de alguma forma sobre os acontecimentos, a missão ou quem era Phidain. Pareciam ser de importância ao halfling, portanto provavelmente eram alvos de busca a serem considerados.
Os contatos ladinos de Desmond não obtiveram sucesso da mesma forma para buscar Phidain, e o desespero já era maior do que o suportável. Depois de receber auxílio médico para seu ferimento, incumbiu a tarefa de localizar as outras duas pessoas mencionadas na carta a um grupo de magos auxiliados por Garek.
Finalmente, eles obtiveram uma resposta positiva através de adivinhações. Em menos de meia hora, Desmond alcançou a porta da casa de Askáth, curiosamente o local apontado para a localização de Siana e Navere.
A tempo de ouvir o final da conversa entre Askáth Umbra, Siana, Navere, Thaal e Randal Evenwood, Desmond irrompeu pela porta, trazendo em suas mãos a carta roubada de Phidain, respostas para alguns dos questionamentos deles e ainda mais perguntas a fazer-lhes.
“Calma, Desmond! O que faz aqui?”, disse Askáth. “Espero que esteja tudo bem. Randal, levante daí e deixe Desmond sentar. Temos que dar lugar aos mais velhos”, disse ele, sorrindo levemente.
“Eu... rastreei vocês dois, porque procuro por Phidain”, disse Desmond a Siana e Navere.
“A nós? Por que?”, perguntou Navere.
“Vocês... foram.... mencionados aqui nesta carta.”, disse Desmond, com a respiração muito debilitada pela corrida.
Siana pegou o pergaminho. Para facilitar a compreensão de todos, leu em voz alta.
Os olhos deles se arregalaram, ao entenderem que haviam sido levados não porque eram interessantes ou de utilidade para alguém, mas para servir como isca para Phidain.
“Agora que já entenderam... Askáth, Randal... o que eles estão fazendo aqui?”
“Nós os encontramos numa prisão subterrânea, junto a este clérigo aqui, o Thaal.”
“O que vocês estavam fazendo lá nesta prisão subterrânea? Eu não enviei vocês até o templo de Sonam?”
“Nós fomos sequestrados na nossa primeira noite e levados para esta prisão. O amigo branquelo aqui estava numa das celas como nós, mas Siana e Navere estavam... diferentes.”, disse Randal.
“Diferentes?”, perguntou ele.
“Fomos levados por um Illithid”, disse Siana. Desmond arregalou os olhos. “Aparentemente, ele nos dominou mentalmente e sugou nossa energia vital até estarmos quase completamente drenados. Se não fossem Thaal, Askáth e Randal, teríamos morrido ali mesmo.”
“Um ILLITHID? Você está falando sério?”
“Sim... infelizmente ela está falando sério”, disse Navere. “Mas ele foi morto e nós fomos resgatados logo em seguida.”
“E quem o matou? Eliminar um monstro como este pode ser uma tarefa quase impossível.”, perguntou Desmond. Askáth, Randal e Thaal se viraram para Navere esperando a resposta, já que quando eles alcançaram as celas suspensas de Navere e Siana, o illithid já estava morto.
“Phidain.”, disse Siana, inesperadamente.
“PHIDAIN?”, perguntou Desmond. ”Por que tudo converge para este Phidain?! Ele é apenas um bardo halfling com uma boa pontaria!”
“Precisamos achar a resposta. Mas o que você acha que podemos fazer, Desmond? Por que você precisa achar Phidain? ”, perguntou Navere.
“Esta missão que vocês leram, a que foi designada a Phidain, foi concluída. O tal artefato foi plantado na taverna, era uma pedra com poderes embutidos, de adivinhação, divinação e tantos outros que não puderam ser identificados. As consequências foram imensuráveis. Os outros Amlugnehtar e todos os que estavam na taverna, juntamente à magia que embebia o lugar... todos... desapareceram.”, respondeu Desmond.
“Como assim?”, perguntou Siana. “Desapareceram?”
“Como uma miragem. Como se nunca tivessem existido. Estou à procura desesperadamente por eles, mas não sei mais onde procurar. Phidain esteve nas minhas mãos, mas me feriu e escapou.”
“Phidain foi capaz de ferir você? Aquele baixinho bardo?”, perguntou Askáth, em um misto de surpresa e diversão.
Desmond não riu, assim como os outros.
O silêncio imperou por alguns instantes, antes que Thaal o quebrasse de forma imprevisível.
“Eu acho que sei o que está acontecendo.”, disse ele. Os olhares voltaram-se para ele, que continuou a falar. “Eu peço desculpas a vocês, pois menti. Eu sei como fui parar naquela prisão.”
“Está desculpado. Agora fale.”, disse Randal.
“Meu mestre me enviou aqui para investigar possíveis atividades do Culto do Dragão.”
“CULTO DO QUE?”, gritou Desmond.
“Isso mesmo. Fui informado que há cultistas remanescentes aqui mesmo em Águas Profundas e que eles se aliaram a illithids para retomar as atividades do Culto.”
Desmond pareceu desamparado. Seus olhos esqueceram de piscar. Sua cabeça despencou sobre suas mãos, que se enredaram em seus cabelos. Os cotovelos apoiaram-se nos seus joelhos. Ele permaneceu assim por alguns instantes.
“Por que... você... não disse isso ANTES?”, perguntou Randal, transtornado.
“Porque eu não conhecia vocês, achei que poderia colocá-los em risco ainda mais do que já estavam se vocês soubessem essas informações. Agora vejo que foi um erro, que eu deveria tê-los informado o mais rápido possível.” . Thaal respondeu de forma calma, mas demonstrava algum arrependimento na voz. Entendia que o erro poderia ter um preço muito alto a ser pago, e a responsabilidade seria dele.
“Culto do Dragão... em atividade... é simplesmente inacreditável...”, repetia Desmond, em tom baixo.
“Fui capturado pois suspeitaram de mim. Estava ali embaixo havia pouco quando vocês me encontraram. Nem tinha tido a chance de curar meus ferimentos. Me disseram que... eu era puro demais. Que seria usado em sacrifício, em um ritual de invocação. ” .
“Isso explica tudo... exceto a participação de Phidain. Mas agora isso já não importa mais. Eles levaram os Amlugnehtar. O culto levou todos eles. Só pode ter sido por vingança.”, ponderou Desmond. Suas feições eram do mais profundo desespero, e ele parecia se sentir absolutamente sem rumo. “Invocação... será que tentarão trazer Tiamat mais uma vez? Não pode ser... eles não tem mais contingente para isso... não pode ser, não pode ser...”
“Podemos tentar concluir a missão de Thaal, conseguir mais informações e resgatar todos aqueles que foram levados.”, disse Siana, doce mas firmemente. “É a única coisa que podemos tentar fazer agora.”
“Menina... se eles levaram quatro pessoas como Nyx, Phalos, Sonam e Orsin além de centenas de outras, o que lhe faz acreditar que uma criança como você pode fazer a diferença? Nós estamos acabados, eles estão perdidos para sempre.”, disse Desmond. Algumas lágrimas começaram a se juntar nos cantos das pálpebras.
“Se não fizermos nada, certamente eles vencerão. Temos que tentar, ao menos uma vez”, disse Siana. “Veja por este lado: eles não sabem ainda que sabemos sobre eles.”
“Só concordo com você, mocinha, porque não tenho mais nenhuma opção. Acho que somos a única esperança de encontrar os Amlugnehtar, as outras pessoas e... parar o Culto do Dragão... mais uma vez. Só não tenho nem ideia de como começar.”, disse Desmond, limpando duas lágrimas.
“Podemos começar ouvindo tudo o que Thaal tem para nos dizer.”, disse Askáth. Olhou diretamente para os olhos amarelados do aasimar, tentando encontrar alguma forma de conseguirem trabalhar juntos em algo tão complexo e perigoso. Decidiu que não havia escolha e que a partir daquele momento, eles estavam unidos, pela guerra e pelo sangue.
Eles se levantaram, se puseram em círculo e Thaal  iniciou o discurso com o resto dos detalhes que havia recebido de seu mestre. 

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