Em fila, os
cinco conseguiram alcançar o salão de onde vieram. Os lagartos gigantes não
estavam visíveis, e eles presumiram que já tivessem fugido também.
Olharam a
plataforma por onde desceram, com o banco circular a bacia sagrada. Não havia
nenhum mecanismo evidente que parecesse fazer a plataforma ser ativada para que
subisse novamente. Era como se a plataforma ficasse na cabeça de um grande
parafuso, que entrava e saía do solo por um grande pedestal, como o corpo do
parafuso, que seguia um trilho espiralado.
“Ai não...
isso não...”, disse Navere, em tom muito baixo. Atrás deles, o corredor já
estava completamente colapsado. O grande salão escuro onde estavam parecia
rugir furiosamente, mas ainda não havia cedido à pressão do desabamento.
Askáth
pareceu ter uma ideia. “Sentem-se no banco! Rápido!”, disse ele.
Obediente,
mas desconfiadamente, os outros sentaram-se com pressa no banco circular mais
uma vez. Ao contrário da vez anterior, Askáth sentou entre eles. De uma pequena
bolsa de pano amarrada à cintura, tirou uma bela esmeralda brilhante.
Os outros
quatro olharam incrédulos enquanto Askáth depositava a gema no fundo da bacia,
onde parecia encaixar muito bem. Assim que ele a soltou, a plataforma começou a
iniciar o movimento de subida.
Os sons de
desmoronamento chegaram à sala onde estavam, mas as paredes naturais apenas
racharam, deixando grandes pedregulhos se desprenderem e rolarem em direção ao
meio do salão. Quando chegaram ao andar superior, os sons cataclísmicos haviam
cessado.
No salão do
templo, nada parecia ter mudado. As estátuas e arte não pareciam ter sofrido
com os danos estruturais que haviam derrubado todo o subsolo do templo. Saíram rapidamente, com medo que finalmente o
templo sucumbisse à pressão. Quando alcançaram o bosque do lado de fora,
puderam finalmente respirar com mais calma, inspirando com fartura o ar
desprovido de partículas da poeira grossa.
“Siana...
Siana... Siana...”, repetia Navere, em voz muito baixa. Randal observava a
entrada do templo, exibindo uma expressão de pesar.
Thaal
ajoelhou-se e começou a rezar.
“Askáth,
precisamos fazer alguma coisa. Esses aí não vão ajudar em nada por bastante
tempo.”, disse Desmond, andando nervosamente. “Siana não estava lá. Ela não
pode ter estado lá esse tempo todo, nós procuramos por todos os lados, por
tanto tempo! Eu me recuso a acreditar que ela tenha ficado lá e... e...”
“Morrido.”,
disse Randal. “Sim, eu também me recuso a acreditar nisso, mas as evidências
são muito fortes, você precisa concordar”.
“Ainda
assim, temos que tentar. Temos sempre que tentar. E ainda tem... todos os
Amlugnehtar para acharmos e o resto do Culto para pararmos e... e...”
“Calma,
Desmond. Vamos por partes. O que encontramos ali dentro? Temos dinheiro, joias,
armas e... Thaal, o que você achou?”, disse Askáth.
Thaal não
respondeu. Ajoelhado, tinha uma das mãos estendida à frente do corpo e a outra
aninhando a insígnia de Torm que levava no peito. Askáth decidiu que não valia
a pena esperar e tomou-lhe a bolsa que carregava. Thaal não se mexeu, embora
parecesse impossível que ele não tivesse notado que sua única bagagem lhe fora
tirada.
Askáth
sentou-se no chão com as pernas abertas, abriu a bolsa de Thaal e despejou o
conteúdo no chão. Como uma criança mexendo em objetos dos pais, pegava cada
pergaminho, carta e objeto como se não o compreendesse.
Desmond
sentou-se ao seu lado e começou a triar os pergaminhos, inicialmente entre os
compreensíveis e os completamente fora das capacidades deles. Randal e Navere
eventualmente se recompuseram e sentaram-se, ajudando a compreender o achado.
Em um
pergaminho, leram instruções sobre como guardar o tesouro que haviam angariado;
Em um
pedaço de papel, haviam ordens para que Loric fosse observado de perto, pois
estava manifestando comportamento muito estranho. Na assinatura constava um “N”;
Em um
pergaminho longo, havia uma lista de cidades, com endereços especificados em
cada uma delas;
Em um pergaminho
com selo oficial, alguém chamado Nabara se intitulava responsável pela
resistência do Culto e prometia que as raízes seriam reerguidas e os objetivos
tradicionais seriam retomados. Uma série de assinaturas se seguia, de nomes que
nenhum deles conhecia;
Em um
pedaço de papel também com o timbre do Culto, havia um juramento a Tiamat, que envolvia
a penitência eterna pela falha no ritual de invocação.
Em outro
pergaminho havia uma magia escrita em belas runas. Se esta fosse lida em voz
alta por alguém que a conhecesse, seria executada instantaneamente. Navere a
conhecia. Antes que outros pudessem compreender as estranhas runas, Navere
guardou o pergaminho em sua própria bolsa.
Finalmente,
no livro retirado do baú, descobriram vastas instruções entremeadas por fatos
históricos, sobre a criação de dracolichs. O livro tinha “Dracolichs: um guia”,
escrito em tinta dourada em baixo relevo na capa negra.
Em uma das
páginas do livro, um belo desenho a tinta de uma dracolich chamava a atenção. O
corpo tinha o formato de um dragão, mas não havia carne, nem escamas. Apenas o
esqueleto perdurava, e este parecia vivo e muito perigoso. A dracolich do
desenho era imponente e empunhava sua enorme garra esquelética na direção de
humanos diminutos.
Havia
menção de dragões que foram mortos em batalhas serem transformados em
dracolichs, mas a maioria dos dragões cromáticos que eram transformados
passavam pelo processo ainda em vida. Seus corpos, depois do ritual, ainda
aparentavam como eram antes. Com o passar do tempo, sua carne apodrecia e seus
ossos remanesciam, dando-lhe a aparência conhecida das dracolichs.
O processo
envolvia também uma filactéria, um recipiente mágico que é capaz de guardar a
alma do dragão morto, tal qual recipiente semelhante abriga a alma das lichs
comuns. Mesmo que o corpo do dragão seja destruído, sua alma perdurará. Apenas
a destruição completa do receptáculo do espírito dracônico causará a morte real
da dracolich.
O livro
detalhava com afinco cada passo necessário para a realização do ritual. O
procedimento era profano, como toda magia necromântica. Ao terminarem de ler,
suas bocas foram tomadas por um sabor metálico, e todos eles perderam a fome.
Thaal
continuava rezando. Começaram a guardar de volta na bolsa tudo aquilo que haviam
conseguido juntar, e sentaram-se em círculo, perto do clérigo, para discutir
seu destino e o que poderiam fazer para encontrar Siana e os Amlugnehtar. Concluíram
que não desistiram dela.
Olha só, parece que os encontramos!
Navere não conseguiu piscar. Sua
respiração parou, e ele ficou completamente imóvel. Os outros levantaram a
cabeça, procurando a origem da voz. Demoraram mais alguns segundos para localizá-la:
mais uma vez, dentro das próprias mentes.
Mestre.
Vejo que tiveram bastante trabalho desde que nos falamos da última vez.
Navere
deixou escorrer uma lágrima do canto do olho. Ele permanecia imóvel. Thaal
parou de rezar, abaixou a mão e conseguiu se levantar.
“QUEM VEM
LÁ?!”, perguntou ele, firmemente.
Clérigo, não adianta, vocês virão conosco.
“MOSTRE-SE!”, gritou Thaal de
volta.
Mas se você insiste...
De trás da árvore mais próxima saiu
um illithid. Da outra, um pouco mais ao lado, saiu outro. Alguns segundos
depois e mais de trinta árvores daquela parte do bosque tinham produzido
illithids saindo de suas sombras.
Além deles,
uma grande quantidade de pessoas vinha caminhando na direção dos cinco,
denunciada pela marcha irregular de centenas de pés pisando em folhas secas do
bosque.
Menos de um
minuto depois, eles estavam rodeados por mais de duzentas criaturas. Illithids,
lagartos gigantes, cultistas em robes simples, magos, magos vermelhos de Thay.
Entre eles ainda havia dois uchuulons, como aquele que viram durante a fuga, e
um enorme beholder. Com um olho central esbranquiçado e sua carne parecendo decrépita, apontava os tentáculos arroxeados cheios de olhos para o
grupo. O corpo do beholder pairava a meio metro do chão, fazendo sua boca
gigantesca e cheia de dentes afiados ter espaço para abrir ameaçadoramente. De
fato, ela pendia aberta, mostrando-se pronta para atacar.
Vocês ainda estão atrapalhando muito... teremos
que levá-los. Se vocês tivessem se comportado, isso não teria que acontecer.
Nenhum
deles conseguia se mexer. Mestre parecia tocar fundo em suas mentes, tornando-os
incapazes de reagir. Apesar disso, Navere tentava, com todas as forças,
estender o braço para dentro de sua bolsa.
Ele conseguiu
murmurar alguma coisa. Os outros conseguiram ouvir dentro de suas mentes, por
causa do elo mental catalisado por Mestre.
“Que vocês todos morram.”, disse Navere.
De forma
completamente inesperada, aquelas centenas de pessoas começaram a avançar na
direção deles. Mestre não pronunciou mais nada, mas a fúria pôde ser sentida nas
mentes de todos. Era como se todos eles ali, inclusive os cultistas, monstros e
até animais do bosque fossem um só. Sentiam em Mestre e em todos a vontade
visceral de que eles fossem dilacerados, comidos vivos por todos aqueles
monstros aberrantes.
O beholder avançou
mais rápido do que todos, e estava muito próximo. O cheiro de sua carne podre chegava aos narizes deles. Um de seus tentáculos se projetou na direção
deles. Um raio vermelho atingiu o chão perto dos pés de Navere, mas isso não o
impediu. Uma grande quantidade de setas e flechas foram atiradas na direção
deles. Como os atacantes se moviam, nenhuma delas teve mira suficiente para acertá-los.
O bardo
retirou de sua bolsa o pergaminho. Em voz alta, leu a magia, sentindo Mestre e
todos os outros ficarem mais e mais enfurecidos a cada palavra proferida.
Sentiu o
bafo do beholder tocar-lhe a face no último instante.
Então, tudo
ficou em silêncio.