“É veneno”, disse Desmond. “Já
lutei com essas criaturas antes. São barbazus.”
“Barbazu?”,
perguntou Askáth.
“Diabos
barbados”, respondeu Thaal. “Eles são relativamente comuns. Ouvi falar que
fizeram parte dos aliados do Culto do Dragão.”
“E
fizeram mesmo. Encontramos alguns quando resgatamos Orsin, tantos anos atrás.
Você pode fazer alguma coisa, Thaal?”
“Posso.
Espere só um minuto.”, respondeu Thaal, esticando as mãos e tocando a testa de
Randal. Em alguns segundos, a expressão do mercenário parecia mais plácida e os
cortes em seu rosto haviam fechado.
“Obrigado”,
disse Randal a Thaal. “Eu realmente estava me sentindo mal.”
“Este
veneno é muito ruim”, completou Desmond, parecendo um pouco aliviado.
Com
a ajuda de Askáth, Randal se pôs novamente em pé e caminhou com dificuldade até
a estátua de Mielikki, apreciando cada detalhe extremamente realista da
estátua. Levou os olhos até dentro do oco da árvore, observando com calma a
origem do brilho verde por trás da proteção de prata.
“É
uma pedra”, anunciou ele.
“Acha
que... podemos pegá-la?”, perguntou Askáth, de forma quase esperançosa.
“Não
vou corroborar suas profanações, Askáth. Este é um templo a Mielikki. Mesmo
abandonado, devemo-la todo o respeito. Sua casa e suas posses são absolutamente
sagradas e lutarei para preservar isso.”, disse Thaal.
Askáth
não disse mais nada. Randal se desinteressou, mas Desmond e Siana foram olhar
mais de perto o trabalho na prata e a natureza da pedra.
Era
uma grande esmeralda, com um brilho interno obviamente mágico. Olhar para a
gema causava um efeito hipnótico e acalentador, tornando a tarefa de desviar o
olhar muito difícil para a maioria das pessoas.
Enquanto
isso, Navere observava as colunas de onde os diabos barbados tinham aparecido. “Eles
provavelmente haviam ficado ali imóveis por muito tempo. “, disse ele a todos.
“O
único problema é que isso não é muito o jeito como eles agem”, disse Desmond.
“Eles não são golems, não são guardas. Eles são bem sociáveis.”
“Você
acha então que... éramos esperados?”, perguntou Siana, parecendo preocupada.
“É
possível. Mas viemos aqui por um motivo, e vamos resolvê-lo. Temos que achar os
Amlugnehtar, Phidain e parar o Culto do Dragão, mais uma vez. Não temos tempo a
perder”, respondeu Desmond, resoluto, mas transtornado.
Os
seis caminharam ao longo do salão, observando outros detalhes além da árvore
petrificada com a esmeralda, as estátuas de Mielikki e o unicórnio e as colunas
que convergiam na abóboda. Mais além, havia um círculo, construído na forma de
um único e longo banco curvo de pedra. Ao centro, uma bacia, como uma banheira
de batismo estava seca, provavelmente há milhares de anos. Era decorada com o
mesmo trabalho de flores e folhas em prata. Ao redor dela, um parapeito
sustentava tigelas uniformes, colocadas de forma equidistante em torno da
bacia.
Além
desta disposição tão única de banco e bacia, ainda havia um grande mural na
parede do fundo, oposta à entrada. A pintura em estilo intrincado mostrava uma
densa floresta com muitos animais escondidos entre os troncos e folhas. A tinta
estava escurecida e um pouco descascada, mas haviam muitos detalhes entalhados
na pedra e preenchidos com prata. Ao centro do mural, um enorme unicórnio quase
inteiramente preenchido em prata se destacava. Os contornos e sombras eram
espaços pintados com tintas que um dia haviam sido roxas e azuis. Os olhos do
unicórnio eram gemas valiosas, duas esmeraldas muito bem lapidadas e pouco
enevoadas. Não tinham o mesmo brilho sobrenatural da gema dentro do oco da
árvore petrificada, mas tinham o mesmo efeito hipnótico.
O
desenho era tão complexo e cheio de segredos que os seis acabaram absortos por vários
minutos, procurando animais representados apenas pela silhueta negativa entre
galhos, ou ilusões de ótica nas folhas. Thaal voltou a si e percebeu que estavam
se expondo a riscos inimagináveis ficando parados ali observando a arte, além
de perderem considerável porção do tempo que dispunham. Chamou a atenção dos
outros cinco. Retomaram a investigação, um pouco decepcionados com suas próprias
distrações.
Depois
de procurarem por mais alguns minutos, perceberam que não havia mais o que explorar.
A parede com o mural era o final do templo, e não havia mais para onde ir. As
paredes pareciam sólidas e as janelas eram altas demais. Não parecia haver mais
nenhuma sala ali, apenas o salão principal.
Os
seis se entreolharam, entristecidos. “Acho que talvez tenha recebido informações
falsas. Talvez... tenhamos sido emboscados...”, disse Thaal, muito abalado.
“Não,
Thaal. Nós vamos conseguir...”, disse Siana, tentando confortá-lo. Thaal,
Siana, Navere, Desmond e Randal sentaram-se no banco circular ao redor da
bacia. Siana abraçava Thaal, enquanto os outros três pareciam muito pensativos.
Askáth, ao contrário dos companheiros, permanecia de pé. Olhava mais uma vez,
de muito perto, o mural, principalmente os olhos do unicórnio.
Tocou
uma das gemas. Sob seus dedos, a gema pareceu tremer levemente, como se
estivesse mal colocada. Askáth olhou para trás, mas nenhum dos outros
demonstrava estar interessado em suas atividades. Tentou tirar a gema, mas suas
tentativas foram em vão.
Utilizando
a força da palma da mão inteira, pressionou a gema, na tentativa de girá-la
para desencaixar. Ao invés disso, a gema desceu com suavidade, promovendo um “clique”
rochoso muito delicado ao alcançar a profundidade máxima.
Askáth
se assustou. Soltou a gema, e ela voltou suavemente para a posição inicial. Testou
a gema do outro olho, que fez exatamente o mesmo movimento. Sem hesitar mais um
segundo, Askáth esticou os dois braços acomodou cada palma em cima de uma das
esmeraldas e as pressionou concomitantemente.
Sentados
ao redor da bacia, os outros cinco sentiram um leve trepidar, como um terremoto
que se iniciava. Siana soltou Thaal, olhando instintivamente para Desmond.
Desmond, ao invés de reassegurar Siana, parecia igualmente assustado. Askáth olhou
para trás quando sentiu o trepidar sob seus pés. Quando virou completamente o
corpo, conseguiu ver o círculo inteiro ao redor do banco e da pia se desprender
do resto do chão e começar a descer como uma grande placa. Os cinco, sentados
no banco, se agarraram ao assento. Askáth se deslocou o mais rápido que pôde até
chegar à plataforma que descia, conseguindo pular no buraco perfeitamente
circular que se formara quando a plataforma ainda estava a menos de dois metros
de altura.
A
plataforma em formato de disco desceu, como se girasse ao redor de um trilho em
parafuso. Ao atingir o chão, um som seco e muito grave precedeu uma nuvem de
poeira que levantara quando o chão do andar de cima parou sobre o solo do andar
de baixo.
“Mas...
mas... mas...”, disse Siana, com o olhar vazio.
“Conseguimos,
não foi? E foi por minha causa. Agradeça
e vamos resolver isso logo”, respondeu Askáth, sem falsa modéstia.
Desmond
não dispensou a Askáth atenção alguma. A sala onde tinham caído estava muito
escura, salvo pelo feixe circular largo que invadia através do teto. Como o
templo não era bem iluminado, a luz que conseguia alcançar era parca e insuficiente.
Desmond
olhou ao redor. Seus olhos de meio-elfo o permitiam enxergar com alguma
clareza. Os outros se levantaram do banco e saíram da área da plataforma
central.
“Olha,
vejo que nossos amiguinhos chegaram!”
Apesar
de conseguir enxergar minimamente, Desmond falhou em identificar o dono da voz.
Os seis olharam ao redor e também não conseguiam ver. A voz parecia vir de
todos os lados. Ainda que muito assustador, ainda era menos aterrador do que se
a voz viesse de dentro de suas cabeças, como no covil dos Illithids.
“Não
se acanhem, não se acanhem! Venham, sigam por aqui”, disse a voz. Um pequeno
globo de luz se materializou perto deles, e começou a se mover, parecendo
indicar um caminho.
“Vamos,
vamos! Vocês estão demorando!”
Siana
e Navere hesitaram. Thaal pareceu resoluto e começou a andar. Randal o seguiu, enquanto
que Askáth e Desmond já estavam muito à frente, quase imediatamente atrás do
globo que liderava o caminho.
O
globo continuou pairando em velocidade constante, se mantendo sempre à mesma
altura, mais ou menos um metro e meio do chão. A luz que ele projetava
evidenciava que o corredor que seguiam era estreito e tinha nichos nas paredes,
talvez para velas. Arte em baixo relevo nas pedras das paredes também eram ligeiramente
visíveis, mas seus desenhos e padrões não eram identificáveis àquela luz.
O
globo, parou, assim que o corredor pareceu terminar. A sala que os antecedia
era grande, mas a luz não era suficiente para demarcar as dimensões exatas. Ainda
dentro do corredor, cessaram o movimento assim que o globo também parou.
“Sejam
bem vindos, sejam bem vindos. Temos muito o que conversar!”
Atrás
do globo, uma figura humana apareceu, com as feições masculinas iluminadas por
baixo pelo brilho da luz. Um sorriso grande não amigável brilhava na face exposta
dentro do capuz de um longo manto vermelho.
O
globo brilhou mais, deixando a sala muito mais iluminada.
Atrás
do anfitrião, passos lentos, seguidos por sibilares e sons reptilianos precederam
a imagem de dois enormes lagartos se posicionando ao lado do humano de robes
vermelhos.
“Sigam-me.”,
disse ele, ainda sorrindo.
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