quarta-feira, 18 de novembro de 2015

18 – A Irmandade Arcana e o que Garek Whitebeard sabe


Algumas horas antes, Desmond estava sentado com aparência consternada num sofá velho na casa de Garek Whitebeard, membro da Irmandade Arcana. Garek foi peça vital durante a luta contra o culto, ajudando os Amlugnehtar sempre que alta magia arcana era necessária.
Infelizmente, Desmond se viu mais uma vez na necessidade de pedir a ajuda de Garek.
Depois de designar Askáth Umbra e Randal Evenwood para a missão solicitada por Sonam, o anão monge, Desmond foi chamado à Luskan, onde preside uma guilda importante de ladinos, várias vezes requisitada por Randal para informações. Durante seus poucos dias em Luskan, Desmond conseguiu cumprir todas as obrigações e tentou contatar Nyx para que o teleportasse de volta à Taverna. Como jamais tinha acontecido antes, não houve resposta por parte de Nyx.
Desmond utilizou seus contatos e conseguiu o teleporte de outra forma, através de um círculo previamente criado entre o castelo de Águas Profundas e a casa de um nobre em Luskan.
Ao chegar na Taverna, esta estava fechada. Utilizou sua chave, pois nem os batedores mágicos na porta externa funcionaram. A Taverna parecia morta, isenta da magia que permeava cada ripa no chão e cada pedra nas paredes da torre.
Os discos flutuantes não existiam mais. Não havia música; também não havia sinais de violência. Tudo estava perfeitamente no lugar, exceto a magia, os clientes e...
...Amlugnehtar.
Seus companheiros não estavam em nenhum lugar. Desmond utilizava suas habilidades para subir pelo poço central escalando as paredes. Vasculhando os andares, só percebeu o vazio, a ausência da magia e mais nada. Não havia pista, nem indicativos de como todos haviam desaparecido. Copos e canecas continuavam sobre as mesas, assim como comida parcialmente consumida. Um barril de cerveja estava com a torneira aberta e toda a bebida havia escoado e se acumulado na parte de trás de um dos balcões. Uma caneca caída maculava o reflexo na superfície perfeitamente lisa da bebida amarelada escorrida.
Não encontrou Orsin no subsolo, Nyx no andar vermelho, Phalos no andar dos troféus. Nem mesmo Sonam estava em seu templo. O córrego agora tinha a água perfeitamente em repouso. O ambiente parecia silencioso demais, isento do farfalhar da água corrente.
Desmond tentava conter o medo, pensando que eles deveriam ter saído conscientemente. De qualquer forma, não parecia boa coisa; saírem todos já não acontecia há muitos anos, principalmente sem que o avisassem ou exigirem sua presença. O ladino tentou raciocinar com clareza, mas o pânico crescia de forma exponencial em seu peito.
Decidiu que perguntar aos funcionários era uma ideia segura. Seguiu a rua da taverna, onde moravam vários dos empregados deles, inclusive o taverneiro do andar de Phalos, um rapaz muito talentoso. Percebendo a ausência de todos os funcionários que procurou, Desmond já não segurou mais o pânico. Como poucas vezes aconteceu em sua vida, derramou lágrimas enquanto corria para procurar ajuda.
Pedir auxílio a Garek Whitebeard pareceu sensato. Correu o mais rápido que pôde até chegar à casa do mago. Garek acompanhou Desmond em um voo baixo ao seu lado. As pernas do velho mago não permitiam mais que ele andasse com facilidade, mas o voo permitia que ele se locomovesse com agilidade e fluidez.
Desmond conduziu Whitebeard ao interior da taverna, onde o mago ficou imediatamente transtornado por não sentir a magia que ele mesmo implantara na torre. Cada detalhe foi pensado e executado por Garek e outros membros da Irmandade Arcana, desde as arandelas mágicas até os discos flutuantes.  Whitebeard caminhou lentamente pelo andar térreo, observando as estátuas em homenagem a cada um deles.
Desmond viu os olhos de Garek se arregalarem quando chegaram perto da inscrição na parede que estabelecia o significado de Amlugnehtar e enumerava os dragões mortos por eles durante a luta contra o Culto do Dragão. Observou Garek tirar seu cajado do chão, segurando-o pela lateral, transfomando-o de acessório paralelo às pernas para um longo cilindro transversal. Fechando os olhos e proferindo duas palavras em voz muito baixa, Garek produziu uma pequena luz azulada na ponta de seu cajado. Caminhando lentamente, Garek foi se aproximando da inscrição cada vez mais.
Desmond então viu o que havia sido notado pelo mago, que se dirigia lentamente para o canto da sala. No exato canto onde se juntavam duas paredes e o chão, um pequeno objeto circular brilhava fracamente em azul, como a ponta do cajado do mago. Sem abrir os olhos, Garek se abaixou com dificuldade e tomou o objeto nas mãos. Seu cajado parou de brilhar, assim como o objeto, e Garek retornou a arma à função usual: bengala.
De olhos abertos, Whitebeard levou o objeto à altura dos olhos, fazendo com que Desmond também pudesse avaliar a natureza do achado. Era uma pequena pedra negra, metálica como hematita, perfeitamente polida em um formato oval.
“O que vimos foi a aura mágica desta pedra, Desmond. Sabe me dizer o que ela é? Aparentemente é a única fonte de magia que permaneceu nesta torre. Você não sabe como isso me entristece”, disse Garek. Seus olhos de fato transmitiam o pesar de quem vê demolida uma casa que construiu tijolo por tijolo.
“Eu não tenho ideia do que pode ser isso.”, respondeu Desmond, transtornado. “E eu tenho quase certeza de que isto não estava aí antes”.
“Então precisamos analisar com calma este objeto. Tenho minhas suspeitas. Vamos voltar à minha casa, onde tenho os componentes necessários para investigar a natureza desta pedra.” .
Andando ligeiro atrás de Garek novamente em voo baixo, eles chegaram rapidamente à casa do mago. Sentados à mesa, Desmond tentava conter a ansiedade enquanto Whitebeard analisava com calma o objeto inesperadamente recuperado.
Depois de mais de duas horas de análise, Desmond com os dedos já sangrentos por ter roído as unhas até a carne recebeu a notícia:
“Esta pedra está embutida com poderes de adivinhação e vidência. Tenho quase certeza de que foi utilizada para espionar seus companheiros. Felizmente, sou letrado nas artes das adivinhações e já utilizei os poderes desta pedra de forma reversa. Aquele que depositou este objeto na Taverna já me foi revelado. Veja você mesmo.” . Garek Whitebeard estendeu a pedra muito lisa para Desmond, que a tomou nas mãos. Na superfície brilhante, uma névoa começou a aparecer. Como vendo do ponto de vista da própria Pedra, viu uma mão fechada se abrindo, exibindo o rosto acima dela.
O rosto era de um halfling, e ele não parecia ser estranho para Desmond, embora ele não conseguisse especificar de onde o conhecia.
“O nome dele também me foi revelado. É Phidain Sonnelin, um bardo.”
Desmond levantou-se imediatamente. Não se lembrou de agradecer a Garek antes de sair rapidamente da casa dele. Whitebeard não notou a ausência da gentileza, já que estava igualmente transtornado pela ausência de magia e o provável desaparecimento das centenas de pessoas que estavam na taverna.
Em menos de meia hora, os contatos de Desmond no mundo da ladinagem de Águas Profundas haviam produzido o endereço de Phidain. Desmond já estava a caminho de lá poucos minutos depois.
Utilizando-se de suas habilidades, Desmond se escondeu embaixo de uma das janelas e posicionou sua cabeça de forma a conseguir captar os sons de dentro da cabana através das vibrações da madeira. Ouviu sons de passos nervosos que não pareciam ter rumo bem definido. Os passos formavam um mesmo circuito, percebido por Desmond pelos diferentes barulhos que a madeira do chão fazia quando os passos pressionavam cada ripa.
Quando achou que o corpo leve que produzia sons ao andar estava na parte mais longe da volta repetitiva, Desmond levantou a cabeça e observou através da janela.
Phidain caminhava em círculos, com feições transtornadas e a mão ao queixo. A testa franzida indicava grandes perturbações mentais durante a reflexão que fazia.
Destrancando a janela com extrema perícia e cuidado, Desmond conseguiu levantar um pouco o vidro sem ser visto. Enquanto Phidain estava de costas para a janela, Desmond infiltrou-se no ambiente com um movimento rápido e certeiro, quase sem produzir barulho algum. Ainda assim, Phidain notou que agora havia outra pessoa em sua cabana. Virou-se, tomando em suas mãos uma pequena faca de osso que estava em cima da mesa.
“QUEM É VOCÊ? SAIA DA MINHA CASA!”, gritou Phidain, profundamente assustado e defensivo.
“Onde estão eles??? ONDE ESTÃO OS AMLUGNEHTAR?!”, gritou Desmond, alterado.
“Saia da minha casa ou eu mato você!”, vociferou Phidain.
“Onde. Estão. Eles!? ANDE, FALE AGORA!”
“Eu não sei do que você está falando!”. Curiosamente, Desmond acreditou no homem.
“Foi você que plantou um objeto na Taverna, e agora TODOS desapareceram! Comece a falar agora!”
Phidain sentiu o coração pular uma batida. De fato, ele havia plantado um objeto naquela Taverna.
“Eu não sei do que você está falando! Saia da minha casa agora!”  Desta vez, Desmond não acreditou em Phidain. O semblante de consternação à menção do objeto tornara a culpa do halfling muito óbvia.
“Eu não vou a lugar algum até que você me fale o que aconteceu lá.”, disse Desmond, com aparente calma.
Phidain não respondeu. Com a faca de osso empunhada, atacou Desmond em um golpe certeiro entre as costelas. Desmond rangeu os dentes e gemeu baixo, como ensinado na guilda por seus mestres. Ladinos não devem fazer barulho, nem quando estão morrendo.
Quando Phidain ultrapassou Desmond depois do golpe, continuou se movendo e correu em direção à porta.

Com Phidain virado de costas, Desmond aproveitou a chance e lançou uma adaga na direção do halfling, acertando-o em cheio na parte de trás da coxa. A dor nas costelas fez com que Desmond abaixasse a cabeça, não sem antes ver que seu ataque não parou Phidain. Teve tempo de ver o halfling desaparecer depois da porta, antes de desmaiar de dor. 

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