quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

34 - Nabara e o Dragão Vermelho

Observando o mapa, eles delinearam um plano intrincado, que envolvia o término do treinamento de Siana, o reencontro com Askáth, Navere, Thaal, Randal e Desmond, o resgate dos Amlugnehtar e a aniquilação daquela Dracolich. O monstro era comandado diretamente por Nabara, uma elfa maga que fora corrompida pelo culto alguns anos depois do impedimento da volta de Tiamat.
Em um diário que os batedores recuperaram ao invadir as dependências da líder, anotações evidenciaram o passado da elfa. Nabara perdera sua vila inteira durante os ataques do culto às florestas élficas, mas ainda assim, fascinara-se pelas artes ocultas. Depois de se reerguer e terminar seus treinamentos, a elfa procurou os poucos membros que restavam ainda vivos e iniciou o processo de ressurreição do Culto, levando-os de volta ao objetivo inicial da organização: a criação e manipulação das forças da morte, transformando dragões em Dracolichs, a versão profana e morta viva das criaturas lendárias.
Os batedores escreveram algumas notas sobre a natureza e aparência de Nabara. Descreveram-na como uma elfa de beleza surpreendente, que emana a maldade como perfume. Suas roupas são negras e ela é mestra das artes necromânticas. Sempre está rodeada de um esquadrão de zumbis, esqueletos, fantasmas e outros mortos vivos.
Durante o processo de reconhecimento, os batedores também presenciaram o sacrifício ritual de um enorme dragão vermelho. As anotações sobre o procedimento foram feitas com uma caligrafia corrida, mas eram eloquentes e bem construídas, como se vindas de uma mente que carregava as imagens do que vira detalhadamente tatuadas na memória. Os espiões responsáveis por esta missão foram capazes de esconder suas anotações em um local pré-determinado, mas foram capturados antes que pudessem tentar trazê-las de volta eles mesmos.

Deitado no chão de pedra, o dragão emitia urros que ecoavam a quilômetros de distância, mas não parecia lutar. De alguma forma, parecia consentir a morte lenta e dolorosa que lhe era proporcionada. Pouco a pouco, o sangue lhe foi drenado. As patas estremeciam e seus olhos tremiam descontroladamente perto do final. À frente do enorme corpo moribundo do dragão, um grande rubi foi colocado. Com uma espada prateada ritualística o tórax do dragão agonizante foi aberto, expondo suas costelas. A pele foi afastada. A caixa torácica expandia-se rapidamente, em respirações curtas e superficiais. Sob as costelas, o coração gigantesco fumegava e batia fracamente, emanando uma luz brasil, avermelhada e quente.
A olhos vistos, o coração parou de bater e uma energia clara e brilhante foi emitida do órgão morto.  O rubi foi colocado na direção da energia e a absorveu completamente, brilhando e parecendo pulsar. O brilho esvaneceu, e a pedra foi colocada em uma caixa de madeira escura e ossos, trabalhada em arte muito fina. A caixa foi levada, será objeto de nossa próxima busca, assim que o ritual acabar. Com o corpo do dragão, outro ritual foi iniciado. Sete necromantes, incluindo Nabara, conjuraram grandes feixes de energia necrótica que penetraram na carne do dragão abatido em sete pontos distintos. O raio que saía das mãos de Nabara atingia o centro da testa do dragão, iluminando as feições monstruosas com uma luz escura e arroxeada.
Por alguns minutos os feixes foram sustentados pelos magos. O dragão permaneceu imóvel, inegavelmente morto. Então, abriu os olhos subitamente, e levantou cambaleante. Suas pernas falhavam como as de um cavalo recém-nascido, mas ele persistiu e conseguiu firmar seu corpo sobre os membros mortos. A caixa torácica continuava exposta, com seu coração apagado e inerte do lado de dentro. Uma grande aba de pele pendia flácida do peito. Os pulmões não se expandiam, mas mesmo assim ao se firmar, o dragão contraiu o tórax e abriu a boca.
Um gigantesco e poderoso urro emanou de sua bocarra, seguido por uma enorme chama. O teto fora atingido e enegreceu imediatamente sob a força do sopro do dragão vermelho morto. Os magos e cultistas se afastaram. O dragão, lentamente, se pôs a andar em direção a uma larga passagem em um dos lados do ambiente. Nabara exibia um sorriso triunfante enquanto caminhava seguindo o dragão pela mesma passagem.

R.

Apenas as notas foram encontradas pela expedição que foi enviada para resgatá-los. Perto do local combinado para que escondessem provas, uma pedra ilusória colocada estrategicamente em um canto pouco frequentado, apenas algumas manchas de sangue seco indicavam o provável destino desfavorável do grupo anterior. O grupo de resgate enviou um de seus membros de volta, com a informação do provável desaparecimento e morte do grupo anterior, as notas e a promessa de que fariam de tudo para encontrá-los. No entanto, este membro desgarrado fora o único que retornara. O grupo enviado para o resgate também não voltou, o que fez com que também fossem declarados como mortos.
As notas foram de suma importância para a organização da emboscada que planejavam, mas  Garek e a Irmandade Arcana decidiram que o trabalho dos grupos de batedores e de resgate eram arriscados demais e que não mandariam novas missões, que trabalhariam com o que tinham.
Agora que sabiam sobre Nabara e a criação de dracolichs, o plano estava quase completo. Siana completou seu treinamento, tornando-se oficialmente maga. Especializou-se nas artes da divinação, sendo capaz de prever eventos futuros simples, mas com precisão. Através de seus recém adquiridos poderes, Siana determinou com facilidade a data de chegada dos amigos, além do ponto onde Phidain deveria interceptá-los.
Garek e Siana concordavam que Phidain deveria informá-los de toda a verdade que escondera até aquele momento, porque mesmo fragilizado, aquele grupo representava a chance que teriam de salvar os Amlugnehtar e cessar permanentemente as atividades do Culto do Dragão.
Então, quando as visões de Siana e Garek indicaram que Desmond havia sido levado de fato, como a jovem maga previra, Phidain fora enviado para encontrar o antigo pupilo, Navere, e seus companheiros de viagem.
Phidain não estava inteiramente confortável com a ideia de expor seus mais profundos e sombrios erros do passado, mas a perspectiva de ser perdoado por Navere lhe proporcionava esperança, como um poço de água límpida no meio de um pântano lodoso. O bardo adentrara Shadowfell por outra passagem, menor e muito menos utilizada do que a da biblioteca, por onde o grupo de viajantes chegara ou a da cabana onde esperaria Siana. A passagem que utilizara era apenas uma falha entre duas rochas que compunham a base de uma colina, quase impossível de ser notada por alguém que não a procurasse por ali.
            O bardo caminhara por alguns dias, sempre apenas algumas horas atrás dos outros. Seus passos menores tornavam alcançá-los um trabalho muito mais complexo do que para as outras pessoas, e ele só conseguia diminuir a distância entre eles durante a noite, quando o grupo parava para descansar e Phidain permanecia marchando.
            Em uma das noites de marcha, Phidain fora surpreendido por uma luminosidade característica das fogueiras vindo de trás dele na estrada. Sabendo que o grupo que seguia estava à sua frente, decidira investigar a presença inesperada de outro grupo de viajantes. 
            Meia hora depois, após avançar lenta e cuidadosamente em direção ao acampamento simples, Phidain conseguira se aproximar o suficiente para notar que o pequeno agrupamento de pessoas era composto por cultistas de aparência cansada, que carregavam um enorme saco de pano, colocado dentro de uma carroça de mão. A carroça estava apoiada no chão, e o saco parecia pesado e bem fechado. Observando mais de perto, conseguiu ouvir a conversa que se seguia, repleta de banalidades sobre o clima, o cansaço, a distância até o destino. Em nenhum momento a natureza da carga fora mencionada, e Phidain começava a achar que sua investigação tinha sido absolutamente frustrada.

            As mãos dos cultistas estavam cheias de bolhas e expondo feridas molhadas, que eles comparavam à parca luz da fogueira, entre as mordidas que davam em pedaços de carne seca. Phidain se conformara que a carga era provavelmente apenas de suprimentos básicos e começava a se afastar quando, de súbito, um portal abriu-se a uma distância muito perigosa deles.
            Do portal, uma elfa vestida com robes negros muito bem cortados saiu, exibindo longos cabelos negros, presos em uma trança atrás da cabeça que pendia quase até o joelho. De costas para Phidain, ele não conseguia ver seu rosto, mas a ponta de suas orelhas muito agudas evidenciava-se sob o penteado, muito alvas. A trança era ornamentada com fivelas equidistantes decoradas com pequenos crânios esculpidos em madrepérola. O perfume que emanava do corpo da elfa, perigosamente próxima de Phidain, remetia à papoulas. Apesar da aparência bela e elegante, à primeira sílaba de suas palavras dirigidas aos cultitas, Phidain percebeu que apenas fel corria pelas veias da elfa.
            “Mestra Nabara... nós... nós acreditávamos que nos interceptaria alguns dias atrás... nós... nós não conseguiríamos andar por mais muito tempo...”
            “Está me repreendendo, lacaio?”, respondeu Nabara. A melodia de sua voz era tão lúgubre como sinos que anunciavam a morte iminente de uma cidade inteira.
            “Não, mestra, mas é claro que não, jamais...”
            “Eu sabia exatamente onde estavam. Só queria que se cansassem mais um pouco. Esta carga é necessária apenas para daqui a alguns dias, e eu estava... monitorando o empenho de vocês. Agora vamos, vamos transportar este pequeno pacote para Evernight. “
            Sem dizer mais nada, mas expressando alívio, os cultistas, obviamente de patente baixa na hierarquia do Culto, auxiliaram Nabara a apoiar a carga sobre um disco que ela conjurara próximo ao chão. Enquanto tentavam retirar o grande saco de cima da carroça de mão, Phidain teve um vislumbre do que estava ali dentro. A forma era de um baú, e a cor era metálica, com ornamentos intrincados. O objeto parecia muito pesado, mas Nabara não encostou na carga em nenhum momento. Os cultistas fizeram muita força para colocar o baú sobre o disco, sempre olhando esperançosamente para a elfa, como cães perdidos.
            “Espero que façam boa viagem”, disse ela, atravessando o portal com o disco às suas costas. “Nossos magos nos informaram que nos próximos dois meses a estrada estará particularmente complexa. Eu poderia levá-los comigo pelo portal, mas estou um pouco cansada para isto agora.”
            Sem olhar para trás, Nabara terminou de transportar a carga no disco e fechou o portal, antes mesmo que os cultistas criassem coragem para contestar o veredito.

            Os cultistas se entreolharam, demonstrando apenas desespero nos olhares. Com as costas arqueadas, características do medo e cansaço, sentaram-se novamente e terminaram de comer em silêncio. Phidain, consciente de que testemunhara uma pequena amostra do que os seguidores do Culto sofriam sob o comando de Nabara, decidiu voltar para o ponto de onde se desviara e retomar a caminhada.

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