Observando o mapa, eles
delinearam um plano intrincado, que envolvia o término do treinamento de Siana,
o reencontro com Askáth, Navere, Thaal, Randal e Desmond, o resgate dos
Amlugnehtar e a aniquilação daquela Dracolich. O monstro era comandado
diretamente por Nabara, uma elfa maga que fora corrompida pelo culto alguns
anos depois do impedimento da volta de Tiamat.
Em um diário que os batedores
recuperaram ao invadir as dependências da líder, anotações evidenciaram o
passado da elfa. Nabara perdera sua vila inteira durante os ataques do culto às
florestas élficas, mas ainda assim, fascinara-se pelas artes ocultas. Depois de
se reerguer e terminar seus treinamentos, a elfa procurou os poucos membros que
restavam ainda vivos e iniciou o processo de ressurreição do Culto, levando-os
de volta ao objetivo inicial da organização: a criação e manipulação das forças
da morte, transformando dragões em Dracolichs, a versão profana e morta viva
das criaturas lendárias.
Os batedores escreveram algumas
notas sobre a natureza e aparência de Nabara. Descreveram-na como uma elfa de
beleza surpreendente, que emana a maldade como perfume. Suas roupas são negras
e ela é mestra das artes necromânticas. Sempre está rodeada de um esquadrão de
zumbis, esqueletos, fantasmas e outros mortos vivos.
Durante o processo de
reconhecimento, os batedores também presenciaram o sacrifício ritual de um
enorme dragão vermelho. As anotações sobre o procedimento foram feitas com uma
caligrafia corrida, mas eram eloquentes e bem construídas, como se vindas de
uma mente que carregava as imagens do que vira detalhadamente tatuadas na
memória. Os espiões responsáveis por esta missão foram capazes de esconder suas
anotações em um local pré-determinado, mas foram capturados antes que pudessem
tentar trazê-las de volta eles mesmos.
Deitado no chão de pedra, o dragão emitia urros que ecoavam a
quilômetros de distância, mas não parecia lutar. De alguma forma, parecia consentir
a morte lenta e dolorosa que lhe era proporcionada. Pouco a pouco, o sangue lhe
foi drenado. As patas estremeciam e seus olhos tremiam descontroladamente perto
do final. À frente do enorme corpo moribundo do dragão, um grande rubi foi
colocado. Com uma espada prateada ritualística o tórax do dragão agonizante foi
aberto, expondo suas costelas. A pele foi afastada. A caixa torácica
expandia-se rapidamente, em respirações curtas e superficiais. Sob as costelas,
o coração gigantesco fumegava e batia fracamente, emanando uma luz brasil,
avermelhada e quente.
A olhos vistos, o coração parou de bater e uma energia clara e
brilhante foi emitida do órgão morto. O
rubi foi colocado na direção da energia e a absorveu completamente, brilhando e
parecendo pulsar. O brilho esvaneceu, e a pedra foi colocada em uma caixa de
madeira escura e ossos, trabalhada em arte muito fina. A caixa foi levada, será
objeto de nossa próxima busca, assim que o ritual acabar. Com o corpo do
dragão, outro ritual foi iniciado. Sete necromantes, incluindo Nabara,
conjuraram grandes feixes de energia necrótica que penetraram na carne do
dragão abatido em sete pontos distintos. O raio que saía das mãos de Nabara
atingia o centro da testa do dragão, iluminando as feições monstruosas com uma
luz escura e arroxeada.
Por alguns minutos os feixes foram sustentados pelos magos. O dragão
permaneceu imóvel, inegavelmente morto. Então, abriu os olhos subitamente, e
levantou cambaleante. Suas pernas falhavam como as de um cavalo recém-nascido,
mas ele persistiu e conseguiu firmar seu corpo sobre os membros mortos. A caixa
torácica continuava exposta, com seu coração apagado e inerte do lado de
dentro. Uma grande aba de pele pendia flácida do peito. Os pulmões não se
expandiam, mas mesmo assim ao se firmar, o dragão contraiu o tórax e abriu a
boca.
Um gigantesco e poderoso urro emanou de sua bocarra, seguido por uma
enorme chama. O teto fora atingido e enegreceu imediatamente sob a força do
sopro do dragão vermelho morto. Os magos e cultistas se afastaram. O dragão,
lentamente, se pôs a andar em direção a uma larga passagem em um dos lados do
ambiente. Nabara exibia um sorriso triunfante enquanto caminhava seguindo o
dragão pela mesma passagem.
R.
Apenas as notas foram encontradas
pela expedição que foi enviada para resgatá-los. Perto do local combinado para
que escondessem provas, uma pedra ilusória colocada estrategicamente em um
canto pouco frequentado, apenas algumas manchas de sangue seco indicavam o
provável destino desfavorável do grupo anterior. O grupo de resgate enviou um
de seus membros de volta, com a informação do provável desaparecimento e morte
do grupo anterior, as notas e a promessa de que fariam de tudo para
encontrá-los. No entanto, este membro desgarrado fora o único que retornara. O
grupo enviado para o resgate também não voltou, o que fez com que também fossem
declarados como mortos.
As notas foram de suma
importância para a organização da emboscada que planejavam, mas Garek e a Irmandade Arcana decidiram que o
trabalho dos grupos de batedores e de resgate eram arriscados demais e que não
mandariam novas missões, que trabalhariam com o que tinham.
Agora que sabiam sobre Nabara e a
criação de dracolichs, o plano estava quase completo. Siana completou seu
treinamento, tornando-se oficialmente maga. Especializou-se nas artes da
divinação, sendo capaz de prever eventos futuros simples, mas com precisão.
Através de seus recém adquiridos poderes, Siana determinou com facilidade a data
de chegada dos amigos, além do ponto onde Phidain deveria interceptá-los.
Garek e Siana concordavam que
Phidain deveria informá-los de toda a verdade que escondera até aquele momento,
porque mesmo fragilizado, aquele grupo representava a chance que teriam de
salvar os Amlugnehtar e cessar permanentemente as atividades do Culto do
Dragão.
Então, quando as visões de Siana
e Garek indicaram que Desmond havia sido levado de fato, como a jovem maga
previra, Phidain fora enviado para encontrar o antigo pupilo, Navere, e seus companheiros
de viagem.
Phidain não estava inteiramente
confortável com a ideia de expor seus mais profundos e sombrios erros do
passado, mas a perspectiva de ser perdoado por Navere lhe proporcionava
esperança, como um poço de água límpida no meio de um pântano lodoso. O bardo
adentrara Shadowfell por outra passagem, menor e muito menos utilizada do que a
da biblioteca, por onde o grupo de viajantes chegara ou a da cabana onde
esperaria Siana. A passagem que utilizara era apenas uma falha entre duas
rochas que compunham a base de uma colina, quase impossível de ser notada por alguém
que não a procurasse por ali.
O bardo
caminhara por alguns dias, sempre apenas algumas horas atrás dos outros. Seus
passos menores tornavam alcançá-los um trabalho muito mais complexo do que para
as outras pessoas, e ele só conseguia diminuir a distância entre eles durante a
noite, quando o grupo parava para descansar e Phidain permanecia marchando.
Em uma das
noites de marcha, Phidain fora surpreendido por uma luminosidade característica
das fogueiras vindo de trás dele na estrada. Sabendo que o grupo que seguia
estava à sua frente, decidira investigar a presença inesperada de outro grupo
de viajantes.
Meia hora depois, após avançar
lenta e cuidadosamente em direção ao acampamento simples, Phidain conseguira se
aproximar o suficiente para notar que o pequeno agrupamento de pessoas era
composto por cultistas de aparência cansada, que carregavam um enorme saco de
pano, colocado dentro de uma carroça de mão. A carroça estava apoiada no chão,
e o saco parecia pesado e bem fechado. Observando mais de perto, conseguiu
ouvir a conversa que se seguia, repleta de banalidades sobre o clima, o
cansaço, a distância até o destino. Em nenhum momento a natureza da carga fora
mencionada, e Phidain começava a achar que sua investigação tinha sido
absolutamente frustrada.
As mãos dos
cultistas estavam cheias de bolhas e expondo feridas molhadas, que eles
comparavam à parca luz da fogueira, entre as mordidas que davam em pedaços de
carne seca. Phidain se conformara que a carga era provavelmente apenas de
suprimentos básicos e começava a se afastar quando, de súbito, um portal abriu-se
a uma distância muito perigosa deles.
Do portal,
uma elfa vestida com robes negros muito bem cortados saiu, exibindo longos
cabelos negros, presos em uma trança atrás da cabeça que pendia quase até o joelho.
De costas para Phidain, ele não conseguia ver seu rosto, mas a ponta de suas
orelhas muito agudas evidenciava-se sob o penteado, muito alvas. A trança era ornamentada
com fivelas equidistantes decoradas com pequenos crânios esculpidos em madrepérola.
O perfume que emanava do corpo da elfa, perigosamente próxima de Phidain, remetia
à papoulas. Apesar da aparência bela e elegante, à primeira sílaba de suas
palavras dirigidas aos cultitas, Phidain percebeu que apenas fel corria pelas
veias da elfa.
“Mestra
Nabara... nós... nós acreditávamos que nos interceptaria alguns dias atrás... nós...
nós não conseguiríamos andar por mais muito tempo...”
“Está me
repreendendo, lacaio?”, respondeu Nabara. A melodia de sua voz era tão lúgubre
como sinos que anunciavam a morte iminente de uma cidade inteira.
“Não,
mestra, mas é claro que não, jamais...”
“Eu sabia
exatamente onde estavam. Só queria que se cansassem mais um pouco. Esta carga é
necessária apenas para daqui a alguns dias, e eu estava... monitorando o
empenho de vocês. Agora vamos, vamos transportar este pequeno pacote para
Evernight. “
Sem dizer
mais nada, mas expressando alívio, os cultistas, obviamente de patente baixa na
hierarquia do Culto, auxiliaram Nabara a apoiar a carga sobre um disco que ela
conjurara próximo ao chão. Enquanto tentavam retirar o grande saco de cima da
carroça de mão, Phidain teve um vislumbre do que estava ali dentro. A forma era
de um baú, e a cor era metálica, com ornamentos intrincados. O objeto parecia
muito pesado, mas Nabara não encostou na carga em nenhum momento. Os cultistas
fizeram muita força para colocar o baú sobre o disco, sempre olhando esperançosamente
para a elfa, como cães perdidos.
“Espero que
façam boa viagem”, disse ela, atravessando o portal com o disco às suas costas.
“Nossos magos nos informaram que nos próximos dois meses a estrada estará
particularmente complexa. Eu poderia levá-los comigo pelo portal, mas estou um
pouco cansada para isto agora.”
Sem olhar
para trás, Nabara terminou de transportar a carga no disco e fechou o portal,
antes mesmo que os cultistas criassem coragem para contestar o veredito.
Os
cultistas se entreolharam, demonstrando apenas desespero nos olhares. Com as
costas arqueadas, características do medo e cansaço, sentaram-se novamente e
terminaram de comer em silêncio. Phidain, consciente de que testemunhara uma pequena
amostra do que os seguidores do Culto sofriam sob o comando de Nabara, decidiu
voltar para o ponto de onde se desviara e retomar a caminhada.
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