sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

33 - Existe um Plano

Curiosamente, Navere, Randal, Askáth e Thaal demoraram alguns segundos para manifestarem reação. Entretanto, uma a uma, bocas foram se abrindo, olhos se arregalando e rostos foram se deformando em esgares de puro medo.
            Siana manteve sua expressão impassível. Sua missão era transmitir calma, controle e o plano que ela, Phidain e Garek tinham concebido com bastante calma.
            Sabendo que os Amlugnehtar estavam presos em Evernight e que era lá que o Culto estava arrebanhando seus prisioneiros e recursos materiais, os três sabiam que tinham algum tempo para planejar o ataque perfeito. Os anacronismos que os teleportes entre Shadowfell e Faerûn causavam poderiam funcionar a favor deles, e Garek os havia aconselhado fortemente a utilizar esta característica como base para o plano.
            O Culto tinha membros que não haviam sido levados para Shadowfell, como os Illithids. Além disso, diversas facções, como a antiga guilda de Phidain, apenas serviam como alavanca para a arrecadação de recursos. O transporte dos bens e prisioneiros era feito pelo mesmo grupo de pessoas para Evernight, e o excesso de pressão nas fendas das sombras acabava por distorcer a passagem de tempo no plano inteiro. Isso era de fato uma vantagem para o Culto, porque eles teriam que gastar muito menos recursos para a manutenção dos prisioneiros e forças militares em Shadowfell do que se esta organização fosse feita em Faerûn.
            Em Faerûn, os ataques ainda eram esporádicos e discretos, quase imperceptíveis. Nos tempos em que os Amlugnehtar lutaram contra a volta de Tiamat, os ataques eram muito mais ostensivos. Por causa da discrição estrategicamente planejada e igualmente derivada das forças reduzidas do Culto, o fluxo de recursos para Shadowfell era escasso e esporádico; no entanto, por causa da divergência no tempo, em Shadowfell recebiam-se todos os dias diversos carregamentos pequenos de pessoas para sacrifícios, ouro, reagentes mágicos e objetos de valor.
            Pensando nisso, o treinamento de Siana foi feito da forma mais rápida possível, calculando-se que apenas alguns dias seriam gastos em Shadowfell, fazendo com que pouco avanço pudesse haver do outro lado. Mesmo assim, ela ainda teve quase um ano para conseguir se transformar em uma maga eficiente o suficiente para carregar a responsabilidade de substituir Garek Whitebeard em uma batalha tão difícil.
            Garek fora questionado no que tangia a escolha de Siana como enviada. Ele mesmo havia duvidado da capacidade da jovem maga de conduzir a dificílima missão de forma eficiente por algumas vezes, mas logo fora lembrado por Phidain que ela era a escolha mais sábia. Siana era nova, inexperiente. Apesar disso era muito inteligente, havia superado todas as expectativas durante seu treinamento. Era uma jovem centrada, correta e capaz de entregar sua própria vida para que a missão fosse cumprida, qualidade raramente encontrada entre magos. Além disso era uma recruta relativamente nova na escola, recém-acolhida pela Irmandade Arcana. E a Irmandade, apesar de questionar Garek, compreendia que Siana era apenas uma aprendiz e que sua morte não representaria nenhuma perda significativa para a escola, para a Irmandade ou para os magos no geral.
            Siana fora informada ainda na metade de seu treinamento que seria a enviada da Irmandade para Shadowfell. A partir dali seus estudos mudaram um pouco e ela recebeu a orientação de focar-se em aprender a utilizar os pergaminhos que estavam sendo produzidos por membros ilustres da Irmandade, como Garek. Nestes pergaminhos, eles desenhavam belas runas antigas. Quando lidas em voz alta, eram capazes de produzir feitiços fortíssimos, muito mais poderosos do que Siana poderia imaginar. Ela não seria a responsável por conjurá-los, apenas por conduzi-los à realidade. Ainda assim, a Siana cabia escolher a hora e local de realizar tais magias, e principalmente para isso era treinada intensivamente.   
            Siana também recebera de Phidain e Garek alguns mapas desenhados por batedores enviados a Shadowfell, que representavam em linhas tremidas as dependências da sede em Evernight.
            Evernight era uma cidade decrépita, entristecida, cinzenta, que se comportava como uma sátira trágica da cidade de Neverwinter em Faerûn. A cidade original é uma grande metrópole, um importante centro comercial e cultural do continente. Concentra muito do poder político, mágico e financeiro de Faerûn. Evernight, por outro lado, é como uma versão enegrecida, com paredes perfuradas pela podridão. Toda a prosperidade de Neverwinter é refletida pela sua exata contraparte, a desolação. Onde na cidade em Faerûn há um mercado vivaz e movimentado, Evernight exibe uma sequência pós apocalíptica de esqueletos de barracas, com restos de lonas e tendas tão negras quanto o carvão. Em vez de mercadores falantes, mortos vivos rondam o mercado, sem rumo, com pedaços de suas faces pendendo flácidos, exibindo ossos que se esfarelam por baixo da carne podre.
            Entre todo o cenário cataclísmico da enorme cidade de Evernight, o Culto tomou parte do castelo sombrio para si. Mais ou menos no centro da cidade, uma grande construção avançava em direção ao céu tempestuoso. Em seus porões e duas de suas torres mais externas, o Culto amontoava seus prisioneiros como gado confinado. Algumas salas comportavam uma quantidade sempre crescente de tesouro, que permanecia guardado por dois ou mais cultistas que se revezavam em turnos.
            Incrivelmente, os batedores puderam desenhar com detalhes os corredores utilizados pelo Culto, indicando em cada marcação de porta o propósito da sala que a respectiva porta antecedia. Através de uma sequência de missões complexas e muito cuidadosas, o mapa foi sendo progressivamente acrescido de informações, tornando o planejamento da missão mais exato. Os batedores eram, no geral, membros de uma guilda de ladrões e espiões. Também tinham a ajuda, ironicamente, dos Zhentarim.
            Então, Garek Whitebeard, Phidain e Siana tinham os mapas estendidos em uma mesa de carvalho antigo, muito grande, numa sala muito bem iluminada com globos de luz eterna e mágica. Com um dos dedos com nós acentuados e muitas manchas e rugas, Garek apontou para um salão grande, subterrâneo, de contornos irregulares. No centro dele, havia uma marcação circular, com a legenda sobrescrita:
Dracolich

Aquela indicação que parecia tão pequena no mapa, na realidade representava a preocupação mais real de todos eles. 

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