Apenas alguns dias tinham se
passado desde a última vez que viram Siana no templo. Mesmo assim, ela parecia
mais velha, mudada. Vestia robes diferentes e amarrava seu cabelo para trás,
deixando a parte mais inferior solta. Parecia ter o olhar mais sereno,
complexo.
“Mas... Siana... achamos que você
tinha morrido!”, disse Navere, abraçando-a. A expressão cinzenta que ele
carregara no rosto desde a revelação de Phidain sumiu por alguns instantes ao
ver a meia elfa, fazendo os outros se animarem com a possibilidade do bardo se
recuperar do choque.
“Não, não morri. Mas por que
acharam que eu tivesse morrido? Eu só... fui levada de lá.”
“Aquilo tudo desabou e fomos
emboscados por todo o tipo de criatura ao sairmos de lá”, respondeu Askáth.
“Procuramos você até que a estrutura começou a ruir. Como foi que saiu de lá?”
“Eu a retirei dali por
teleporte”. Inesperadamente, foi Phidain quem respondeu. “Podemos conversar lá
dentro? Aqui está frio demais.”
Todos entraram, em fila, na
cabana. Havia comida quente, ensopado de carne e pães frescos, colocados na
mesa com seis lugares. O ambiente tinha luzes mágicas flutuantes, mas a lareira
estava acesa. De alguma forma, o fogo conseguira sobrepujar o ar gelado e
pesado de Shadowfell, deixando a sala quente e aconchegante.
Durante algumas horas eles
sentaram e conversaram. Phidain garantiu-lhes que não perderiam os
sequestradores do Culto de vista e que poderiam dispor daquele tempo, e que
Desmond ainda estaria vivo e inteiro quando o encontrassem.
Pelas horas que a refeição tomou
e mais muitas que invadiram a noite, Siana discorreu sobre todas as dúvidas que
pairavam entre eles. Explicou que Phidain a havia retirado por teleporte de lá,
e a levado para um mago da Irmandade Arcana, Garek Whitebeard. Garek, a pedido
de Phidain, havia preparado um treinamento intensivo sobre magia arcana, finalmente
tornando Siana uma maga. Seus olhos transmitiam orgulho mesclado com
preocupação.
“Eu... eu acho que Phidain e
Garek precisavam que eu aprendesse a magia. Acho que o que enfrentaremos
consumirá todo o poder que possamos produzir. Infelizmente, Garek está velho
demais para lutar conosco, mas ele me armou de conhecimento e artefatos
mágicos.”
Siana continuou, dizendo que
Phidain havia contado toda a verdade para ela. Aparentemente, Phidain havia
feito Navere e ela acreditarem que a dívida era com os Zhentarim, já que a
ideia de illithids e membros do culto estarem chantageando o mestre deles era
muito pior. A ideia dos Zhentarim os manteria ocupados, longe das garras do
Culto. Apesar disso, os illithids decidiram atacar Phidain em seu ponto fraco,
as pessoas que ele podia chamar de família. Navere andava distante, mas
Phidain, obviamente, o tinha como filho. Siana tomou a mão de Navere entre as
suas, fazendo uma carícia amigável. O bardo abaixou a cabeça e se permitiu
derramar mais algumas lágrimas. Phidain não falou nada e permaneceu de cabeça
baixa e olhos tristonhos.
Siana ainda explicou que eles
vieram para Shadowfell através de uma fenda na sombra, a mesma que tinham
naquela cabana, num canto. Os múltiplos teleportes e viagens fizeram com que
para eles o tempo passasse de forma um pouco diferente. Para eles, não viam
Siana há alguns dias. Para Siana, quase um ano havia se passado.
Ela também contou que soube do
desaparecimento dos Amlugnehtar e de Desmond, e que ela e Phidain haviam
concebido um plano para resgatar a todos. Aquela era uma cabana
estrategicamente posicionada, que servia como transporte e base para várias
incursões conduzidas pela Irmandade Arcana para Shadowfell ao longo dos anos.
Quando o ar ainda mais gelado da
madrugada permeava através das frestas das janelas, perceberam que deveriam dar
o dia como encerrado. Descansaram em camas preparadas por Siana antes que
chegassem à cabana.
No dia seguinte, ao acordarem,
Siana e Phidain já haviam preparado a mesa para o café da manhã. Serviram
leite, presunto, pães, ovos cozidos e mel. Mesmo surpresos com a mesa farta
mais uma vez, eles ainda estavam muito desconfiados da súbita aparição de Siana
e de Phidain. Percebendo a insegurança que pairava entre Askáth, Randal, Navere
e Thaal, Siana interveio, com voz doce.
“Sei que vocês não estão se
sentindo bem com tudo isso. Mas posso assegurar a vocês todos que Phidain teve
as melhores intenções desde o começo, desde que se desligou do Culto. Navere...
você é tudo para ele. Quando você saiu da casa de Phidain, pouco antes de eu
chegar, ele ficou muito triste... você é um filho. Você é o filho que ele nunca
teve. E eu... eu sou uma aprendiz que duvidou de seu mestre, apenas para que
ele provasse suas boas inteções o tempo todo.”
“Você precisa aceitar que isso é
muito difícil para nós”, disse Navere. “Principalmente para mim... você não
imagina como é saber que seu mestre mentiu sobre tudo, sobre toda a sua vida,
porque matou seus pais...”
“Navere... por favor, me
perdoe... você é a razão de eu ter fugido, a razão de eu ter desertado e traído
o Culto. Eu não era bom antes disso, eu era um assassino... você me trouxe à
vida, você me mostrou que eu poderia ser diferente!”, disse Phidain, em tom
entristecido.
Navere olhou para os olhos de
Phidain pela primeira vez. Não respondeu, mas Phidain achou que ele parecia um
pouco mais propenso a perdoá-lo num futuro próximo.
“Nós precisamos seguir viagem”,
disse Siana, enquanto acomodava uma grossa fatia de queijo entre dois pedaços
de pão fresco. “A parte boa é que temos tempo. Nós não seguiremos pela estrada.”
“Qual é a parte ruim?”, perguntou
Askáth, desconfiado do tom dela.
“Teleportaremos... e para onde
vamos, as coisas não andam bem. Sei que estamos procurando Desmond e os Amlugnehtar,
certo?”
“Certo...”, respondeu Randal,
incerto. Ele não falava já há algum tempo.
“Nós precisamos que esteja tudo
certo entre nós. Passaremos alguns dias mais por aqui, e precisamos organizar
um plano de ação. Nós sabemos o que encontraremos por lá”, disse Siana.
“E o que exige tanta preparação?”,
perguntou Navere.
“Dracolichs.”
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